Em junho de 2022, às vésperas das eleições, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou a quarta redução consecutiva na alíquota de impostos para importação de videogames e acessórios. O aceno ao setor teve como contra-ataque a elaboração da cartilha Lula Play, um documento entregue em mãos ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com propostas para a área que passou a ser citado pelo petista na campanha. Com quase cem milhões de jogadores no país, grande parte também eleitores, e movimentado cifras bilionárias, o universo gamer entrava de vez na acirrada disputa política brasileira.
Desde que venceu o principal rival nas urnas, porém, Lula vem patinando na relação com os gamers, em uma sucessão de atritos que passa pelo não cumprimento de promessas, deixando um vácuo que a oposição se articula para ocupar. Em paralelo aos debates regulatórios, o governo também tropeça com declarações que irritaram o mercado e o público consumidor.
No início de 2023, por exemplo, a então ministra do Esporte, Ana Moser, afirmou que esportes eletrônicos – os chamados “e-sports” – não são esportes e que não faria investimentos neste nicho. Após a repercussão negativa, Moser voltou atrás. Segundo pessoas ligadas ao setor, o atual ministro, André Fufuca, teria visão diferente sobre o tema.
As propostas da cartilha vêm tramitando entre diferentes ministérios, mas com poucas ações concretas. Na campanha, Lula previu regulamentar a profissão de desenvolvedor e criar cursos técnicos e de ensino superior para a área. A lista de promessas incluía rever regras de banda larga para dar fim ao limite de consumo de dados e acelerar a conexão.
“(E teremos) incentivos fiscais e financiamento adequado para criação de novas empresas do setor”, garantiu o petista ao participar, já no segundo turno, do Flow Podcast, com ampla penetração entre o público gamer.
A lentidão em dar andamento a essas propostas é mal recebida até entre os raros aliados no setor, majoritariamente dominado pelo bolsonarismo. Apoiador da atual gestão e um dos elaboradores da Lula Play, o jornalista Pedro Zambarda cobra celeridade do Planalto:
“O governo tem que fazer mais. Precisamos de editais fixos voltados para os games, e que os jogos eletrônicos possam se tornar política de estado”, defende Zambarda.
Enquanto o governo não age, a oposição tenta aproveitar o vácuo. Apresentado em 2021 pelo deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), o Marco Legal dos Games englobou parte das demandas presentes na Lula Play e tem tramitação avançada no Senado. A previsão do parlamentar é que o projeto seja aprovado na Comissão de Educação ainda este mês.
“O governo ainda engatinha em relação ao setor. Não se vê um incentivo efetivo, uma política pública abrangente”, critica Kataguiri.
Representantes do setor apostam que as disputas políticas têm o potencial de, enfim, tirar o Brasil do atraso na comparação com outros países.
“O Brasil precisa cumprir o que o resto do G20 já faz: um conjunto de leis que atenda às demandas de duas décadas do segmento”, cobra o presidente da Associação de Desenvolvedores de Jogos Digitais do Rio (Ring), Márcio Filho. “Se o Marco for aprovado, o Kim vai utilizar na campanha. Assim como o governo pode dizer que foi sancionado pelo Lula. Isso é da política.”
Zambarda concorda que o marco regulatório é bem-vindo, a despeito de levar a assinatura de um deputado de oposição.
“O que brigamos é que esse grupo de pressão sobre o governo sempre exista. O setor paga muito imposto exatamente porque não tem articulação política”, frisa.
Cara ao setor, a questão tributária foi empregada para atingir o novo governo. Em março do ano passado, uma fala do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tratava da regulamentação de apostas esportivas on-line foi retirada de contexto por canais bolsonaristas, que acusaram o Planalto de planejar taxar o setor. A Secretaria de Comunicação precisou vir a público para negar a intenção.
Outras declarações desagradaram. Lula, durante uma reunião para tratar do discurso de ódio em redes sociais, reclamou que “não tem jogo falando de amor”, mas sim “ensinando a molecada a matar”. Assim como a fala de Ana Moser no início da gestão, o episódio também virou munição bolsonarista na internet, com políticos e perfis alinhados ao ex-presidente compartilhando conteúdos críticos.
Coube ao filho de Lula tentar colocar panos quentes, mas até ele reconheceu que o presidente “generalizou”. “Meu pai viu os filhos e os netos crescerem jogando videogame, ele sabe que isso não nos tornou violentos”, escreveu Luis Claudio Lula da Silva nas redes.
“Três em cada quatro brasileiros jogam videogame, de celulares a computadores. O debate se dá porque o jogo eletrônico é um dispositivo tecnológico e cultural que replica os embates socioculturais do mundo todo. Obviamente a classe política vai tentar se aproximar cada vez mais”, analisa Márcio Filho. As informações são do jornal O Globo.