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Desempenho de Donald Trump nas pesquisas preocupa integrantes do governo brasileiro, que veem impactos na política externa e aproximação dos Estados Unidos com Jair Bolsonaro

Governo brasileiro já faz cálculos para uma possível vitória de Trump nos EUA. (Foto: Reprodução)

As eleições americanas só ocorrerão em novembro deste ano, mas o desempenho do ex-presidente republicano Donald Trump nas primárias e nas pesquisas já preocupa integrantes do governo brasileiro. Uma das avaliações que correm em Brasília é que, se Trump conseguir voltar à Casa Branca, poderá haver impacto não apenas na política externa brasileira, mas também no âmbito doméstico, com aproximação dos EUA com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Outros temores passam pela possibilidade de um enfraquecimento ainda maior da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da chance de reforma do Conselho de Segurança da ONU.

Na Super Terça da semana passada, quando 15 Estados e um território foram às urnas no dia mais importante das prévias, Trump e o presidente democrata Joe Biden confirmaram o favoritismo e venceram praticamente em todas as votações — uma maratona eleitoral que acabou com a saída da republicana Nikki Haley da disputa, abrindo caminho para a revanche entre Biden e Trump daqui oito meses.

Segundo um integrante do governo, o desenrolar da candidatura do republicano pode ser analisado com base em duas vertentes. Na primeira, sob o ponto de vista da política interna, uma vitória de Trump fortalecerá a direita no mundo, o que é ruim para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva — em artigo publicado no jornal El País, da Espanha, na semana passada, o líder brasileiro afirmou que o mundo enfrenta um “preocupante aumento da extrema direita”. A expectativa é de que, se o Trump ganhar, será consolidada uma aliança entre os trumpistas e aliados de Bolsonaro.

Já na segunda vertente, que é a perspectiva da política externa, Lula poderia criar um “modus vivendi”. A frase, em latim, significa um arranjo que permite que partes conflitantes coexistam em paz. Um experiente diplomata afirma que Lula, em mandatos anteriores, dava-se melhor com o republicano George W. Bush do que com o democrata Barack Obama. Porém, o próprio presidente já declarou, há poucos dias, que torce pela reeleição de Biden.

“Espero que o Biden ganhe as eleições. Espero que o povo possa votar em alguém que tenha mais afinidade. Tenho visto o Biden em porta de fábrica. O discurso do Biden desde o começo até agora é em defesa do mundo do trabalho”, afirmou em entrevista a uma emissora de televisão.

Lula se referia a uma parceria com Biden lançada em setembro de 2023, à margem da Assembleia-Geral da ONU. Ele e o líder americano anunciaram a criação de uma frente internacional pelo trabalho decente.

Reação adolescente

De acordo com um interlocutor próximo ao Itamaraty e ao Palácio do Planalto, Trump representa uma espécie de refluxo na política externa americana. Uma avaliação é que Trump poderá vir com força total em seu lema “Make America Great Again” (Torne os EUA Grandes Novamente). Nesse caso, o comércio poderá ser abalado não só com o Brasil, mas com o resto do mundo.

Em Brasília, há dúvidas importantes no ar. Uma delas é se Trump e o presidente argentino, Javier Milei, vão se aliar em áreas de interesse do Brasil. Um vídeo que viralizou na internet mostra que Milei, ao cumprimentar o ex-presidente americano em um evento, reagiu como um fã adolescente ao encontrar um ídolo.

Trump já defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU para que o organismo seja mais eficiente. O risco calculado no governo Lula é de que, numa possível aliança com Milei, ele poderia apoiar a Argentina como representante da América Latina em uma vaga permanente no Conselho, ignorando a candidatura do Brasil.

Outro tema considerado caro para o governo Lula é a reforma da OMC. Por culpa dos EUA, o Sistema de Solução de Controvérsias multilateral perdeu a eficácia e precisa ser restabelecido. O órgão, que julga recursos em disputas comerciais, está paralisado, porque os EUA vêm bloqueando a nomeação de árbitros. Essa investida começou no governo Obama e se aprofundou na era Trump.

Beatriz Rey, cientista política e pós-doutoranda na USP, afirma que um eventual retorno de Trump à Casa Branca teria três impactos no Brasil. O primeiro diz respeito ao apoio global à democracia.

“Trump é um dos líderes do populismo de extrema direita que tenta subverter instituições democráticas. Assim, sua eleição colaboraria para minar o apoio aos sistemas democráticos no mundo”, diz ela.

O segundo impacto trata da relação bilateral entre EUA e Brasil, principalmente quando o assunto é a agenda verde. No momento, há convergência entre os dois países na área climática.

“Trump não deve colaborar nesse aspecto. Entretanto, é preciso lembrar que o Brasil tem diferenciais competitivos na área ambiental e não depende exclusivamente dos EUA para fazer a transição para uma economia verde e sustentável”, observa a cientista política.

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