Quinta-feira, 09 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 6 de março de 2024
Integrante da Operação Lava-Jato em Curitiba, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, hoje aposentado, afirma que a operação deixou legado importante ao desnudar o esquema de corrupção no País.
Responsável por negociar a maioria dos acordos de delação fechados na capital paranaense, ele nega abusos, mas reconhece que o Ministério Público errou ao acreditar que sustentaria uma investigação com a amplitude da Lava-Jato diante da pressão política.
Veja os principais trechos da entrevista.
1) Dez anos depois, como avalia o início da Operação Lava-Jato?
Na verdade ela começou um ano antes, em 2013, como uma investigação sigilosa envolvendo doleiros. Ninguém imaginava, naquele momento, que a operação se desdobraria daquela maneira. Logo na colaboração do Alberto Youssef tivemos 17 deputados mencionados. A Procuradoria-Geral da República já estava acompanhando e, a partir daí, se constituiu um grupo de trabalho. O crescimento foi exponencial.
2) O senhor vê erros na Lava-Jato?
Achamos que o Ministério Público teria condição, diante da pressão política, de sustentar uma investigação desse tamanho. Hoje tenho a impressão de que em nenhum país você sustenta uma investigação tão gigantesca. Os Estados Unidos estão aí com problemas com investigações simples envolvendo o (ex-presidente Donald) Trump. Imagina o Brasil com investigações envolvendo todos os grandes partidos? Começou com o PT, mas logo se transformou em investigação do PMDB, do PSDB… O crescimento era inevitável, mas causou impacto difícil de suportar a longo prazo.
3) Mas a investigação aconteceu independente da pressão, não?
Em um primeiro momento, com as manifestações de rua desde 2013, os políticos estavam divididos. “Essa operação é contra o PT”, “contra o fulano de tal”. O ponto de virada aconteceu na noite do acidente da Chapecoense, quando o (então presidente da Câmara) Rodrigo Maia destruiu as 10 medidas contra a corrupção. A partir desse momento, eles perceberam que poderiam fazer o que quisessem e nos vimos diante de uma pressão enorme. Foram sendo destruídos pouco a pouco os instrumentos legislativos e as decisões judiciais.
4) Mas concorda que a força-tarefa deixou um legado?
Sim, duvido que a população tenha dúvida do que aconteceu. Ela deixou um legado muito importante, mas que dificilmente vai ser repetido.
5) Não vai se repetir pelas mudanças legislativas ou porque o MPF já não tem fôlego?
Primeiro porque houve uma mudança legislativa muito forte. Segundo por causa de uma campanha de intimidação de procuradores da República e até de juízes. Eu não concordei na época, por exemplo, com a saída do (ex-juiz e atual senador Sergio) Moro, mas se ele não tivesse saído talvez tivesse tido o mesmo destino do (juiz afastado Marcelo) Bretas. Talvez até algo pior, uma aposentadoria compulsória.
6) Houve abusos na condução da Lava-Jato?
Não houve abusos. E se tivesse havido, o Judiciário teve chance de corrigir. Nenhuma decisão do Moro deixou de ser julgada em outras instâncias. A maior parte dos argumentos contra a Lava-Jato são falaciosos, ingênuos. Mas pegam, porque a maior parte das pessoas tem preguiça de pensar.
7) Foi um erro a ida de Moro e do procurador Deltan Dallagnol para a política? Prejudicou a imagem da operação?
Não tenho dúvida que prejudicou. Criou um argumento fácil, de modo a jogar tudo para a política. Eu tive uma conversa com o Moro na época, falando das minhas dúvidas quanto à honestidade da proposta do novo governo, porque eu não acreditava no (ex-presidente Jair) Bolsonaro. Achava que, como ministro da Justiça, o Moro teria que se submeter a uma guerra cultural. Ele tem o rosto da anticorrupção, mas não do conservadorismo cultural que a direita bolsonarista tem. Na minha opinião, era um erro. Mas, pessoalmente, ele deveria ter ficado? Acho que não. Ele ia acabar sendo perseguido.