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Dinheiro e poder movem trabalhos de espionagem em Brasília

Câmeras, escutas, microfones ocultos e uma gama de equipamentos tecnológicos são usados em busca de informações. (Foto: Reprodução)

Em Brasília, trabalhos de investigação chegam a custar R$ 100 mil. Políticos e empresários pagam caro para ter gabinetes e escritórios vasculhados, em busca de grampos, escutas e câmeras ocultas. Ninguém está imune à ação dos arapongas.

Uma intrincada rede de espionagem e contraespionagem opera no submundo do centro político do país. Câmeras, escutas, microfones ocultos e uma gama de equipamentos tecnológicos são usados em busca de informações confidenciais e também para impedir que dados sensíveis sejam captados e disseminados. Atualmente, em Brasília, ninguém está livre do risco de ter a vida devassada.

Profissionais em monitoramento falam sobre o tema com discrição e temor. “A maioria desses clientes tem telhado de vidro. Então, qualquer coisa que a gente comente gera dor de cabeça. E a corda sempre arrebenta para o nosso lado”, disse um dos três detetives ouvidos pelo Correio, conhecido por atender políticos importantes do Congresso Nacional.

Nas declarações, a maioria dos investigadores garante que age estritamente dentro da lei, sem uso de artimanhas proibidas, como escutas privadas e grampos telefônicos. No entanto, todos eles reconhecem que são procurados com frequência para esse tipo de serviço. Os detetives ouvidos nesta reportagem confirmaram, com convicção, que existe uma indústria voltada para a obtenção de dados confidenciais (leia Para saber mais).

Num universo em que a informação vale muito, a investigação nem sempre mira adversários, conta um dos entrevistados. Em muitos casos, o alvo está dentro dos gabinetes, mas em outra função: aliados, funcionários e até correligionários. “É muito comum o cliente me procurar e querer saber se eles não estão levando informação para os outros, fazendo jogo duplo”, contou.

Contraespionagem

Proteger alvos de espionagem e destruir equipamentos instalados fazem parte do dia a dia dos detetives. Não ser monitorado é outra preocupação constante para quem tem muito em jogo. Investigadores relatam que grande parte do trabalho consiste em fazer varreduras e buscar falhas de segurança em escritórios, carros e equipamentos dos clientes. Dono de um escritório de espionagem em Goiânia, o português Manuel Xufre está no Brasil desde 2000. Ele atende, sobretudo, empresários e políticos do estado vizinho e do DF.

Além de investigações particulares, é especialista em contraespionagem. E o trabalho de varredura custa muito: Xufre cobra de R$ 500 a R$ 700 por metro quadrado da área analisada. Em Brasília, diz ter encontrado, recentemente, microfones em dois escritórios de advocacia, situação que se repetiu na sede da prefeitura de um município goiano. O serviço só é feito à noite e sem que ninguém esteja no prédio, com exceção dos integrantes da equipe. “Usamos um equipamento analisador de espectro para buscar escutas e câmeras ocultas.”

Manuel Xufre conta que o trabalho na política aumenta em período eleitoral. Geralmente envolve buscar irregularidades e complicações nas campanhas adversárias. Por um serviço com duração média de 15 dias, atuação de oito profissionais, além de levantamento de dados e captação de imagens, Xufre chega a cobrar cerca de R$ 110 mil. O trabalho tem riscos. Em 2013, o detetive chegou a ser preso temporariamente pela Polícia Federal sob a acusação de divulgação de informações sigilosas. Ficou 10 dias na cadeia e o processo ainda corre. Xufre não contesta completamente a acusação, mas diz que não ocorreu da forma como descrita.

Lobby

Pernambucano, o detetive Campos está há 17 anos no ramo e atua com investigações particulares, empresariais e políticas, tanto de espionagem quanto de contrainteligência. A busca por monitoramento ilícito, confirma, é grande, e há profissionais da área que agem fora da legalidade. “Nossa profissão não tem um órgão regulador. Isso abre brechas para todo o tipo de pessoa se autodenominar detetive particular e trabalhar de forma incorreta. Eles cometem todo tipo de ilegalidade e, muitas vezes, não sofrem punição”, argumenta.

Para Campos, há muitos meios de angariar informações sem extrapolar o que é permitido legalmente. “Dentro da política, você pode produzir fotografias em vias públicas, mostrar o candidato praticando atos ilícitos. Também há o trabalho de se infiltrar no grupo e conseguir material com quem é próximo daquela pessoa”, explica. “Há muita documentação que é de difícil acesso, mas é pública. A questão é ter a habilidade e a experiência de saber onde e como encontrá-la.”

O fato de a atividade abrigar a política nacional também abre espaço para que a demanda seja constante em Brasília. Os trabalhos contam com profissionais de áreas variadas, como ciência política, comunicação e relações internacionais. Além de monitoramento, eles trabalham como lobistas, reconhecida como profissão em 2018. Nesses casos, os profissionais contratados atuam junto a figuras públicas com o objetivo de auxiliar no processo de convencimento para que determinados interesses sejam defendidos, seja no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário.

No DF e em outras unidades da Federação, há pessoas que trabalham com o levantamento de informações delicadas sobre pessoas ou grupos específicos. As tarefas envolvem fazer com que elas cheguem a público de forma, aparentemente, despretensiosa. O assunto e o viés da informação obtida variam de acordo com a demanda das empresas que contratam esse tipo de serviço.

Alvos comuns

Especialista em internet e sociedade, o professor aposentado do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Lazarte alerta para os riscos aos quais qualquer pessoa está sujeita. Para ele, um dos pontos fracos da sociedade está na compreensão de quais são as ameaças à privacidade existentes hoje. “Estamos todos expostos, mas temos muita dificuldade em perceber quais são as vulnerabilidades. É muito fácil (isso acontecer) com figuras públicas ou pessoas comuns que se tornaram públicas”, avalia.

Lazarte lembra que, com a concentração de informações pessoais em aparelhos, como celulares, e com a facilidade para acessar esses dispositivos por meio de aplicativos espiões, é cada vez mais comum encontrar vítimas de invasão e de uso indevido de informações. “Isso é praticamente rotina na Polícia Federal. Lamentavelmente, (o celular) é uma coisa muito exposta”, observa. “Não existe (não correr) nenhum risco. O que você tem é o menor risco. Não há proteção absoluta. O que você tem são níveis de privacidade com os quais você pode tomar cuidados”, ressalta o especialista.

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