Desde que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, passou a fazer ameaças contra a soberania da Guiana e tentou forçar a anexação de Essequibo por decreto, a diplomacia brasileira, com objetivo de serenar os ânimos, se esquiva de tomar uma posição sobre a legitimidade da Corte Internacional de Justiça (CIJ), sediada em Haia, para resolver a controvérsia territorial. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em declarações recentes, disse que a América do Sul não precisava de “confusão”, pediu “bom senso”, mas em nenhuma oportunidade mencionou o papel do organismo internacional.
Até o momento, o Brasil conseguiu, junto a outros países do continente e do Caribe, levar os presidentes de ambos os países à mesa de negociação. Mas o respeito à atuação da corte, ponto central da reivindicação do governo de Georgetown, de Irfaan Ali, foi colocado em segundo plano.
Desde 2017, a CIJ analisa, com participação da Venezuela e Guiana em audiências, as reivindicações sobre Essequibo, região rica em petróleo. O regime chavista, contudo, não reconhece a legitimidade do órgão para tratar do assunto. E isso dificulta o papel do órgão vinculado às Nações Unidas como árbitro do tema.
Dois dias antes do referendo venezuelano que visou à anexação do território da Guiana, o tribunal emitiu uma ordem para que Maduro não tomasse qualquer medida preparatória para a invasão, o que foi desrespeitado pelo regime chavista. Após a consulta popular, em anúncio de um conjunto de medidas, o presidente venezuelano chegou a nomear um general como “única autoridade” sobre Essequibo.
Na cúpula do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro logo em seguida, o Brasil articulou o texto de uma declaração conjunta que não citava a Corte Internacional de Justiça. A nota trouxe a preocupação dos países do bloco com a “elevação das tensões” e pediu que ações “unilaterais” fossem evitadas.
No mesmo dia, coube aos Estados Unidos defender um encaminhamento pacífico pela corte internacional. A posição foi externada pela embaixada de Washington em Brasília.
Em sentido diferente, o Brasil empenhou todos os seus esforços para que a questão fosse mediada pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e pela Comunidade do Caribe (Caricom), com a liderança de Lula. A primeira reunião ocorreu em São Vicente e Granadinas. E a segundo irá ocorrer em Brasília, em alguma data a ser marcada nos próximos três meses.
O único momento em que o assunto foi citado de forma pública pelo Brasil foi antes do referendo. No dia 22 do mês passado, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que, “se possível”, o caso fosse resolvido em tribunal internacional. Mas a posição não chegou a ser reiterada em outras ocasiões para a resolução do conflito.
“O Brasil, assim como os outros países, fez uma exortação para o entendimento, a discussão diplomática e a solução pacífica das controvérsias, que devem ser dirimidas por arbitragem e tribunais internacionais, sempre que possível”, disse o chancelar, após reunião com autoridades de países da América do Sul.
A alternativa da mediação pelo tribunal perdeu força após o referendo da Venezuela, realizado no dia 3 de dezembro. Uma das cinco perguntas da consulta era se eleitor concordava com a posição da Venezuela de “não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça”. Neste caso, o “sim” venceu por um patamar superior a 90%.
Em declaração conjunta assinada na reunião de São Vicente e Granadinas, há o registro de que a Guiana está comprometida com o “processo e os procedimentos” da CIJ para a resolução da controvérsia. Do outro lado, há menção de que a Venezuela não reconhece e tampouco consente a jurisdição da corte para chegar um veredito sobre o assunto.
A função primordial da Corte é resolver conflitos entre Estados. Também em Haia, na Holanda, funciona outro tribunal internacional destinado a julgar pessoas, em casos como crime de guerra: o Tribunal Penal Internacional (TPI). Sobre este segundo órgão, Lula já deixou evidente a sua insatisfação, antes de tomar posse, e chegou a ameaçar a retirada do Brasil do TPI.
Isso ocorreu porque o presidente Rússia, Vladimir Putin, poderia ser preso se fosse ao Brasil. Lula gostaria de recebê-lo no G20 e na conferência do clima que será realizada na Amazônia.
O líder russo é acusado pelo tribunal de violações na guerra contra a Ucrânia.
“Quero estudar muito essa questão desse Tribunal Penal, porque os EUA não são signatários dele. A Rússia não é signatária dele. Então eu quero saber por que o Brasil virou signatário de um tribunal que os EUA não aceitam. Por que nós somos inferiores e temos que aceitar uma coisa, sabe?”, questionou Lula. As informações são do jornal O Globo.