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Por Redação O Sul | 3 de julho de 2018
Um ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) afirmou que a disputa entre ministros deixa a Corte em situação dramática. Quando Sydney Sanches presidia o STF em 1992, o País não vivia momentos tranquilos. Era época do impeachment do ex-presidente Fernando Collor e ele teve, inclusive, que lidar com falsas ameaças de bomba na Corte durante aquele processo.
Ainda assim, nos 19 anos que esteve no STF, de 1984 (último ano da Ditadura Militar) a 2003 (primeiro ano do governo Lula), Sanches conta que nunca vivenciou momento parecido com o que se passa hoje na Corte, com conflitos explícitos entre os ministros. Em entrevista à BBC, ele disse estar “perplexo” e “surpreso” com os últimos acontecimentos e considerou as ofensas pessoais trocadas em julgamentos uma “mácula na história do Supremo”.
O principal motivo de tensão hoje, diz ele, é a disputa em torno da possibilidade de prisão em segunda instância, ou seja, antes do trânsito em julgado, quando se encerram todos os recursos possíveis.
O cumprimento antecipado da pena foi permitido com placar apertado de 6 a 5 em fevereiro de 2016, no julgamento de um habeas corpus com repercussão geral (válido para todos os processos do País). Depois, a decisão foi confirmada em uma liminar (provisória), dentro de uma ADC (ação direta de constitucionalidade) que tentava reverter a primeira decisão. Acontece que, no ano seguinte, o ministro Gilmar Mendes mudou de ideia e parte dos que ficaram derrotados nos primeiros julgamentos – Marco Aurélio, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Melo – passou a cobrar o julgamento definitivo da ADC para que a prisão após segunda instância volte a ser proibida.
Sem citar nomes, Sanches critica duramente o fato de alguns ministros não estarem aplicando o entendimento da maioria de autorizar a prisão antecipada.
“Será que está certo pressionar para conseguir colocar em pauta uma matéria que já foi decidida só porque isso vai beneficiar uma certa pessoa? É dramática a situação”, afirma Sanches.
A defesa de Lula – que hoje lidera as intenções de voto para a eleição presidencial, mas provavelmente será barrado da disputa pela Lei da Ficha Limpa – apresentou novo recurso contra sua condenação em junho. O relator do caso, ministro Edson Fachin, remeteu o pedido para análise do plenário, mas os advogados do petista ainda tentam manter o julgamento na Segunda Turma, colegiado que, via de regra, aprecia questões penais, e no qual as chances de libertação parecem maiores.
Para Sanches, Fachin está certo e age em “defesa da decisão do plenário” de permitir a prisão de Lula em abril. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
1. O Supremo Tribunal Federal passa por uma crise?
Eu acho que sim. A turma não está cumprindo decisão do plenário (de autorizar a prisão após condenação em segunda instância) e quer que o plenário rediscuta uma questão que já foi discutida em 2016. E a presidente (Cármen Lúcia), por isso, não quer colocar em pauta a matéria. Os que ficaram vencidos naquela ocasião não se conformam com isso. De que adianta remeter a questão para o plenário se depois a turma não segue? E quem garante que vai seguir agora (caso haja revisão da jurisprudência), dependendo da nova decisão que se proferir?
2. Como avalia a atuação da presidente?
Eu acho que a presidente está certa. Para mim, a motivação, a meu ver, é outra. Evidentemente, há uma pessoa (Lula) que não se quer que continue presa, ainda que não possa ser candidata. E aí, a forma de conseguir isso, já que no habeas corpus (de Lula julgado em abril) não se concedeu (a liberdade) por que era exame de caso concreto, é julgar de novo a tese (constitucional sobre prisão após segunda instância).
3. Em crítica à presidente, o ministro Marco Aurélio disse que nunca viu uma manipulação tão grande da pauta do Supremo.
Mas eu também nunca vi uma manipulação tão alta para se rediscutir a matéria que se discutiu anteriormente por decisão de seis a cinco. Também nunca vi.
4. O senhor não acha que ela está manipulando a pauta?
Em matéria de constitucionalidade, uma vez decidida a questão não se volta a discutir mais. Aí fica difícil, porque se Corte Constitucional ficar mudando, qual a segurança jurídica que faz para o País?