Quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 25 de setembro de 2023
Às vésperas de completar dez meses no terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém um antigo hábito: antes de seus pronunciamentos, lê várias vezes o texto em voz alta, faz pausas para tomar goles de água e dirige perguntas sobre o conteúdo a quem está por perto.
Quando não engaveta tudo e fala de improviso, costuma encaixar adendos no original. Não foi diferente com o discurso que leu na abertura da 78ª Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, na semana passada. O tom do pronunciamento foi dado pelo ex-chanceler Celso Amorim, hoje chefe da assessoria especial do Planalto. Amorim é hoje um dos poucos auxiliares que fazem a cabeça de Lula no palácio.
Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete, é secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, de Luiz Marinho. Assistiu à terceira posse do amigo no gramado da Esplanada. “Tenho cada vez mais prurido ao entrar em palácios”, admitiu o petista.
“Véio”
Cenas de “sincericídio” entre Carvalho e Lula ficaram famosas. Em 2007, passava das 17h quando “Gilbertinho” entrou no gabinete e deu uma ordem. “Véio, você tem que receber o povo que está aqui.” Irritado, Lula afirmou que todos viviam enchendo sua agenda de compromissos, e, por isso, não podia fazer milagre.
Conhecido como “grilo falante” do Planalto, Carvalho não tinha medo dos rompantes de Lula. Ao contrário: ex-seminarista, era um dos poucos que o faziam mudar de ideia. Naquele dia, sem que tivessem marcado audiência, representantes do movimento dos portadores de hanseníase esperavam o presidente. Lula ficou mais de uma hora com eles.
Dezesseis anos depois, Lula não tem mais o “grilo falante” que o acompanhou nos dois primeiros mandatos. Nomes da velha-guarda do PT foram abatidos por escândalos de corrupção, a exemplo de José Dirceu e Antonio Palocci. Amigos que atuavam como conselheiros do presidente, como Márcio Thomaz Bastos e Luiz Gushiken, morreram.
Nos bastidores, não são poucos os que comentam que a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, afastou Lula dos antigos amigos. Os defensores de Janja dizem, por sua vez, que ela é alvo de ciúme e fogo amigo do PT. Na prática, com quase nenhum auxiliar com intimidade suficiente para apontar erros do governo, quem faz essa tarefa é mesmo Janja, mas nem sempre consegue convencer Lula. Tanto que, se dependesse dela, André Fufuca não teria jamais ocupado a cadeira de Ana Moser no Esporte.
Dias (Desenvolvimento Social) são os três mais próximos do presidente. Mesmo assim, só Marinho – que conhece Lula desde os tempos de sindicalismo – tem coragem de contrariá-lo e brigar com ele. Foi Marinho quem obrigou Lula a tirar uma foto apertando a mão de Paulo Maluf, em 18 de junho de 2012. Tratava-se de exigência de Maluf para apoiar Haddad à Prefeitura de São Paulo.
Filtros
Dirigentes do PT observam que, desde sua prisão na Lava-Jato, em 2018, Lula é outro homem. “Ele não tem tantos filtros. Agora, tem pressa: quer recuperar o tempo perdido”, resumiu o senador Humberto Costa (PE), ex-ministro da Saúde no primeiro mandato do petista.
Costa é um dos críticos do excessivo poder dado ao Centrão nessa temporada. Quem dá as cartas do bloco é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que acompanhou a comitiva do presidente na viagem a Nova York. Desta vez, Lula não deu derrapadas verbais e fez um discurso na ONU elogiado por líderes mundiais.
Não foi o que ocorreu em junho quando, ao afagar a Venezuela, afirmou que “o conceito de democracia é relativo”. Depois, disse que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não corre risco de ser preso se vier ao Brasil. O Tribunal Penal Internacional emitiu mandado de prisão contra Putin, mas Lula afirmou que nem sabia da existência da instância. Detalhe: ele mesmo já pediu que o TPI julgasse Bolsonaro por crime contra a humanidade.
O líder do PT no Senado, Jaques Wagner, acha que o ambiente polarizado do País tem contribuído para o novo comportamento de Lula, considerado mais pragmático. “A conjuntura atual é totalmente diferente”, assinalou ele, que é do círculo íntimo do presidente. “Com esse ambiente conflagrado e as instituições mexidas, não foi o Lula que mudou. Quem mudou foi o mundo”, emendou.
O presidente nunca foi, porém, tão indiferente às pressões do PT e de outras siglas da esquerda quanto agora.