Desde que o governo apresentou seu pacote de contenção de gastos, em 27 de novembro, o mercado financeiro vem vivendo dias de extrema turbulência. Isso porque as medidas foram consideradas muito abaixo do necessário para corrigir o rumo das contas públicas – o que significa que o endividamento vai continuar a crescer.
Essa desconfiança fica muito explícita no comportamento do dólar. Vinte dias atrás, estava na casa dos R$ 5,80. Passou dos R$ 6 pela primeira vez logo depois do anúncio do projeto, e veio escalando desde então – chegou a passar dos R$ 6,20 na terça-feira (17) -, obrigando o Banco Central a fazer intervenções frequentes no mercado para tentar reduzir a cotação (com resultados no mínimo discretos). Já nessa quarta-feira (18), a moeda americana teve um novo fechamento recorde, a R$ 6,2657, em alta de 2,78%,
Os juros também sentem os efeitos desse cenário delicado. Na última quarta-feira, 11, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central resolveu endurecer o ciclo de alta dos juros, elevando a Selic em um ponto porcentual (de 11,25% para 12,25% ao ano), e já indicando mais dois aumentos de mesmo patamar nas reuniões seguintes. Depois disso, os juros futuros escalaram para patamares superiores a 15%.
O que essas mudanças podem significar para os rumos da economia brasileira? Veja abaixo o que os economistas dizem.
– Luís Otávio Leal (Economista-chefe da G5 Partners) – Economia pode se ajustar ao câmbio, mas não sobrevive a um juro tão alto: “Começamos com uma afirmação peremptória – o mercado está disfuncional. E não porque o dólar está ao redor de R$ 6,15, mas porque boa parte da curva de juros nominal está acima de 15% ao ano e a de juros reais está acima de 7% ao ano. Por que o problema está nos juros e não no câmbio? Porque, ao câmbio, a economia se ajusta. Sim, teremos uma mudança de nível de preços, isso gera inflação, o país fica mais pobre em termos relativos, viagens ao exterior ficam mais caras, mas, vida que segue, principalmente porque a situação das nossas contas externas é bem confortável. Temos mais de US$ 350 bilhões em reservas – algo próximo de US$ 250 bilhões líquidos – que pagariam com folga toda a nossa dívida externa. Portanto, ao contrário do passado, quando uma desvalorização levava a uma crise, quase automática, de dívida, agora pode até levar a uma redução da dívida liquida do País. Já no caso dos juros altos, não há investimento produtivo que supere uma taxa nominal acima de 15% ao ano e, principalmente, uma taxa real acima de 7% ao ano. Dessa forma, ao empresário resta colocar o seu dinheiro para render, postergando o investimento e, com isso, o encontro do Brasil com o crescimento sustentável. Além disso, a esses níveis, tanto o custo da dívida das empresas quanto do País se torna proibitivo, gerando inadimplência e recessão no primeiro caso e dominância fiscal (quando a política monetária perde a capacidade de reduzir a inflação) no segundo. Portanto, se o mercado demorar muito para voltar ao normal, só nos resta fazer como na música de Raul Seixas e ‘Alugar o Brasil’”.
– Rafaela Vitória (Economista-chefe do Inter) – Processo de desinflação somente será concluído com a retomada da credibilidade no ajuste fiscal: “Os desafios para 2025 serão muitos. Vamos iniciar a segunda metade do governo com uma enorme desconfiança no novo arcabouço fiscal, o que levou à recente desvalorização do dólar, aceleração da inflação e um novo ciclo de aperto monetário, que promete ser um dos mais restritivos dos últimos 20 anos. O impacto do novo patamar de câmbio será uma aceleração da inflação, que já se encontra acima da meta, em 4,9%, puxada pela forte alta de alimentos. A maior inflação tende a reduzir o poder de compra das famílias, principalmente as de baixa renda, e podemos ver um novo aumento do comprometimento de renda e deterioração da inadimplência. Por outro lado, o real desvalorizado pode beneficiar a balança comercial e levar a um aumento do superávit, resultado de uma esperada redução das importações, que cresceram 8% em dólar em 2024, com a demanda interna mais aquecida. O principal impacto na economia, no entanto, será a significativa alta dos juros, tanto nominais, com a Selic indo a 14,25%, como a taxa de juros real, próxima de 8%. O nível restritivo do aperto monetário deve desacelerar a concessão de crédito e encarecer seu custo, e podemos ver uma elevação da inadimplência tanto entre empresas como entre famílias. A combinação de câmbio depreciado e juros elevados deve manter a aversão a risco em alta e, com a possibilidade de uma desaceleração mais rápida do crescimento, não descartamos o risco de uma recessão ao final de 2025 e 2026. Uma reversão do cenário, no entanto, pode acontecer com a correção de rumo da política fiscal, principal fator gerador de insegurança. O ajuste fiscal via corte de gastos pode contribuir não somente com o desaquecimento da demanda e queda mais rápida da inflação, mas também com a redução do prêmio de risco no mercado. De fato, o efeito contracionista da política monetária vem sendo imunizado pela expansão fiscal, tanto pelo seu impacto na demanda aquecida como nos prêmios de risco de mercado. Caminhamos para uma taxa de juros real ainda mais restritiva, e ainda assim sem visibilidade de convergência da inflação para a meta. Fica claro que o processo de desinflação somente será concluído com a retomada da credibilidade no ajuste fiscal. Até lá, iremos arcar com um elevado custo da política monetária e um efeito reduzido.” (Estadão Conteúdo)