Em tempos de discussões cada vez mais acirradas sobre assédio sexual, lugar de fala e direitos das mulheres, a filósofa e escritora Marcia Tiburi lança “Feminismo em Comum: Para Todas, Todes e Todos”. O livro defende a ideia de que o movimento feminista é, na verdade, o mais radical dos movimentos contra o patriarcado por ser o mais inclusivo. Mas, para isso, diz, precisa se manter unido e, ao mesmo tempo, aberto ao diálogo. Ela criticou o debate entre as feministas francesas e americanas: “É fácil brigar com mulheres em função de suas contradições em vez de direcionar nossa força contra o real inimigo”.
O novo livro será lançado em São Paulo, neste sábado (3). A seguir a entrevista do jornal O Estado de S.Paulo com Marcia Tiburi, que, no último dia 24, abandonou um programa de rádio ao descobrir que seu colega de debate seria o coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri.
“Meus livros sempre tiveram conteúdos feministas. Agora resolvi expor a minha visão do feminismo, propor uma compreensão do movimento. Precisamos olhar para a sociedade na qual o feminismo surge e tentar entendê-la sob o prisma analítico e crítico”, disse.
Em um artigo publicado recentemente no jornal O Estado de S.Paulo, a escritora evitou tomar partido em debate entre as feministas norte-americanas e francesas (as americanas criaram o movimento #MeToo pelo fim do assédio na indústria cinematografia; as francesas, por sua vez, responderam com um manifesto no qual sustentavam que “os homens têm o direito de importunar”). “No artigo, tentei propor ideia de um feminismo dialógico, que implica a presença da diferença, onde o dissenso é inevitável. Não porque não saibamos chegar a um consenso, mas porque a ideia do pensamento único é própria do patriarcado, que trabalha com conceitos universais e apaga singularidades. O feminismo dialógico, a meu ver, se constrói na presença da diferença; não tentaria nunca ser melhor do que o outro. O machismo impera em todas as instituições e também na mídia. Houve uma produção espetacular do debate (entre americanas e francesas); e esse jornalismo machista adora produzir um discurso contra as feministas. Nesta medida, a fala das americanas e das francesas foi um prato cheio. As americanas propuseram que não é possível sustentar uma sociedade em que há um acordo em relação ao assédio. Mas, ao mesmo tempo, o que as francesas disseram deve ser respeitado. Podemos criticar, mas ambas se colocaram de seu ponto de vista. A lógica binária não é adequada para a análise do problema, colocado por culturas diferentes. Da mesma forma, nós, brasileiras, não podemos nos pautar pela discussão que elas fazem”, afirmou Marcia.
Questionada sobre se o fato de as mulheres europeias viverem uma realidade diferente das americanas ou das brasileiras implicaria em uma não compreensão do problema das outras, a escritora respondeu: “As francesas, brancas, atrizes, intelectuais, fizeram as suas ressalvas, e é dessa maneira que vejo. Perderíamos muito tempo atacando essas mulheres por serem brancas, burguesas, parte do sistema de privilégios. Devemos garantir que o nosso foco esteja no machismo institucionalizado, corporativo, familiar; nas nossas relações com a violência perpetrada. Claro que temos que alertar as mulheres, mas não vou lutar contra as mulheres, mesmo as machistas, que são vítimas ideológicas, que apoiam o próprio algoz. É fácil brigar com mulheres em função de suas contradições, em vez de direcionar nossa força ao real inimigo”.
Sobre as críticas por ter se recusado a debater com Kim Kataguiri, do MBL, em um programa de rádio, ela disse: “Me chamaram para dar uma entrevista e, quando cheguei lá, era um debate. Não tinham me falado sobre isso. Não achei correto. Não quis participar”.