Não passa de mais um conteúdo enganoso o vídeo em que um apresentador de programa na internet atribui as enchentes de maio em São Leopoldo (Vale do Sinos) ao rompimento de uma barragem que estaria inoperante há 13 anos. A verdade é que as inundações na cidade foram causadas por chuvas intensas e problemas que levaram ao desligamento de casas de bombas e resultaram na erosão parcial de um dique de drenagem.
Sem qualquer base nos fatos, o “youtuber” também acusou a prefeitura e o governo gaúcho de processarem cidadãos que teriam alertado sobre a enchente. Não contente com o festival de bobagens, ele ainda relatou não ter visto a presença de autoridades em abrigos públicos.
Uma checagem realizada pelo Instituto Comprova (grupo de jornalistas brasileiros que se dedica à investigação de fake news) ajuda a esclarecer o que realmente ocorreu:
“No mapa interativo do Sistema de Segurança de Barragem da Agência Nacional de Águas (ANA), é possível ver que não há barragens que retenham o fluxo de rios em São Leopoldo. Esse painel lista quatro estruturas desse tipo no município – duas de aquicultura, uma industrial e outra para recreação. Nenhuma delas está classificada com alto potencial de dano em caso de rompimento”.
O que existe na cidade são diques, que chegam a quase 21 quilômetros de extensão. Conforme a prefeitura de São Leopoldo, tais estruturas não se romperam e ainda foram vitais para evitar uma tragédia ambiental ainda maior.
Sobre a fala de que as autoridades deram as costas aos desabrigados, o Instituto levantou informações e imagens de diversas fontes. Mais de 100 mil dos 217 mil habitantes de São Leopoldo ficaram desalojados – destes, ao menos 20 mil receberam acolhimento em 132 abrigos municipais e de entidades parceiras.
O mesmo vale para ações do governo do Estado: já em 15 de maio (um mês antes da veiculação do vídeo de desinformação), o Rio Grande do Sul contava com 830 abrigos em atividade em 103 cidades, abertos tanto pelo poder público quanto por voluntários e outros segmentos sociais, tanto em escolas e universidades quanto em ginásios, clubes e demais espaços.
Nesses locais era facilmente perceptível a presença ostensiva de agentes governamentais. E São Leopoldo ainda contou com uma força-tarefa montada pela prefeitura para prestar atendimentos de saúde nos albergues montados na cidade. O Judiciário também fez a sua parte, com mutirões de serviços de utilidade, ao passo que as forças de segurança reforçavam o policiamento nos abrigos.
Também não há qualquer registro de que a administração municipal tenha acionado judicialmente quem alertou sobre os alagamentos. Esse tipo de aviso sequer pode ser enquadrado em casos cabíveis de punição – os próprios gestores municipais, estaduais e federais têm trabalhado na implementação de sistemas de alerta, algo considerado fundamental no âmbito das estratégias de prevenção.
O Instituto Comprova considerou, portanto, a manifestação do influenciador como mais um conteúdo retirado do contexto original para que seu significado sofra alterações, por meio de estratégias como o uso de dados imprecisos ou que induzam a uma interpretação diferente da realidade ou da intenção de quem publicou a informação original. Prática, aliás, bastante comum no universo on-line, onde muitas vezes a busca de audiência e “cliques” acaba sobreposta a compromissos com a ética e a responsabilidade.