Há um novo modelo de política que governa o mundo: a uatzapi-cracia, que engendrou um novo mito da caverna, esculpido em carrara ou cuspido e escarrado.
No mito da caverna, de Platão, os homens, acorrentados, só “enxergavam” o mundo externo a partir das sombras que se projetavam na parede da caverna. Não sabiam que as sombras eram sombras.
Um dia um deles saiu da caverna e viu a luz. Viu que as sombras eram só sombras refletidas na parede da caverna. Quando voltou e contou tudo o que viu, foi apedrejado pela malta.
Já escrevi muito sobre esse novo mito da caverna. E há boas charges e textos sobre isso. Trarei aqui a minha versão. Como seria o novo mito da caverna? Em vez da caverna, um grupo de WhatsApp. Imaginem várias pessoas – a sua família ou o grupo da empresa, etc – presas em um grupo de WhatsApp (ou uatizappi). Imaginem se alguma delas conseguisse fugir e trouxesse verdades do mundo exterior… Ela seria tida como mentirosa e coberta de porrada. Como diz uma pesquisa da Folha de São Paulo, mais da metade da população acredita nas noticias que recebe via uatizappi.
Recebi uma charge genial, falando da como seria a publicidade da UNIZAP, a Universidade do Zap Zap. Mais ou menos assim: Venha para a melhor universidade. Nada de livros volumosos. Aqui você aprende por memes. Chega de professores doutrinadores.
Na UNIZAP você tem direito a dizer que tudo é relativo. Aqui você aprende com os melhores youtubers influencers. E quanto mais besta for o youtuber, melhor. Só cursos top. Ciência Política com bacharelado em grupo de família. Venha. Sem vestibular e ENEM. E traga o seu primo idiota que sempre tem um amigo do amigo de um delegado da polícia federal ou que conhece o porteiro do palácio Piratini ou do Planalto e arrasa nos almoços de família. Ele será palestrante.
Bom, as vítimas desse novo “predadorismo” são (i) a democracia, porque a esfera pública fica colonizada por milhares e milhões de opiniões pessoais e, ainda por cima, falas e repasses de notícias falsas, e (ii) o ensino nas mais diversas áreas, especialmente o jurídico – onde existe o maior número de néscios por metro quadrado.
Há, assim, nitidamente, uma involução. Tenho referido, em inúmeras palestras e aulas, que um bom professor transforma as informações, que estão à disposição de qualquer néscio, rábula ou debiloide, em algum conhecimento. Com um pouco de esforço, o professor consegue fazer com que esse conhecimento se transforme em um saber; e, com mais esforço ainda, transforma o saber em sabedoria.
Lamentavelmente, a pseudo pós-modernidade faz um caminho inverso, construindo néscios (que perdem a timidez porque não sabem que não sabem): (i) sabedorias são rebaixadas (simplificadas) a saberes, que são trucidadas e recortadas para serem meros conhecimentos e (ii) estes, com fatiamentos, mutilações, “emburrificações”, cuspidas epistêmicas e quejandos, transforma, finalmente, o conhecimento ainda existente em uma bolha (caverna) de meras informações.
É o homo sapiens ao avesso: o homo uatzapiens. Ou o homo sapiens vencido pelo homo zapiens!
O resto é tudo autoexplicativo. Para quem sabe que as sombras são apenas sombras, é claro.