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Colunistas É preciso saber morrer

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Numa de suas músicas de maior sucesso, lançada em 1968, Roberto Carlos convidava os seus fãs a cuidarem de si mesmos com o objetivo de mais tarde não sofrer. Era preciso, segundo o Rei da “Jovem Guarda”, não esperar que a vida fosse feita de ilusão, pois isso nos deixaria até malucos e poderia também nos deixar morrer na solidão. As pedras e até as flores com espinhos poderiam nos machucar. Era preciso ter cuidado, era preciso saber viver. A letra da música, simples e de melodia agradável, fez grande sucesso e ainda hoje, inclusive na voz de outros artistas, tem a simpatia de muitos, já que trata de uma questão demasiadamente humana, que é saber bem conduzir nossa condição transitória de vida. Contudo, nem todos vivem o suficiente para aprender a viver e outros tantos vivem mais do que preciso para desejar até morrer. Os emblemáticos desaparecimentos, quase que simultâneos, de Silvio Santos e de Alain Delon, ilustram, pela grandeza de ambos em suas respectivas áreas de atuação, uma sempre renovada reflexão que envolve a morte, tão inevitável quanto enigmática.

Tanto Sílvio Santos quanto Alain Delon viveram muito, mesmo para os atuais padrões de longevidade crescente. Seria uma tarefa para várias mãos descrever a vida de ambos, ícones que experimentaram a combinação de extrema popularidade com reconhecimento quase que unânime de seus talentos. Contudo, um aspecto contrastante os marcou, mais especificamente nos anos finais de suas vidas, em relação à forma como eles encararam a morte iminente. Se Sílvio Santos, pelos relatos de pessoas próximas a ele, conduziu seus últimos anos com serenidade e até bom humor, o mesmo não se pode dizer do astro francês, melancólico, recluso e inconformado com a velhice, a ponto de solicitar o direito ao suicídio assistido, tamanho o seu desgosto. A questão da eutanásia, a propósito, ultrapassa meras especulações e nos provoca a refletir sobre o direito de decidir encerrar a própria vida, ainda um assunto delicado e polêmico, também cercado por questões religiosas, tabus e preconceitos, o que tem impedido que mais países regulamentem a prática. Na Europa, a eutanásia é praticada de forma legal na Holanda, Suíça, Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Portugal. Nas Américas, Canadá, Colômbia e alguns estados americanos.

Há cerca de três anos, já com 85 anos, Delon desabafou à revista Paris Match sobre aquele momento de sua vida: “Vou deixar este mundo sem me sentir triste com isso. A vida não me atrai muito. Já vi tudo, já vivenciei tudo. Odeio a era atual. Estou farto dela! Há criaturas que eu realmente odeio. Eu realmente odeio a época em que vivemos, isso me faz vomitar. Tudo é falso, tudo é substituído. Todo mundo ri um do outro sem olhar para si mesmo”… Não houve, por parte de Sílvio Santos, depoimento semelhante ao de Delon, revelando que, embora com histórias semelhantes de dificuldades e pobreza na infância, a forma como os dois avaliaram a vida em seu epílogo guarda sutilezas e razões personalíssimas, de certo modo espelhadas na reação de cada qual a seu gosto.

Mais do que o contraste entre a serenidade de Sílvio Santos e a amargura de Alain Delon, nos capítulos finais das duas trajetórias, referidos eventos podem suscitar debates que avancem para além das lamentações e pelas lembranças que ambos deixaram. Numa sociedade que envelhece rapidamente, pelo menos em sua parte desenvolvida, falar sobre o direito de morrer, inclusive quanto ao modo como isso deva acontecer, denota amadurecimento democrático. Embora não tenhamos o hábito de conversar sobre autonomia e morte, o apelo de Alain Delon pode encorajar novas discussões sobre o assunto, especialmente porque a morte, a pedido do indivíduo, ainda é um assunto escamoteado, tido como crime pela lei brasileira e ainda imoral na doutrina judaico-cristã. Contudo, além de saber viver, podemos almejar maior espaço também para discussões menos culposas sobre o direito ao suicídio assistido e à eutanásia e isso não deveria ser um assunto interditado ao debate.

(edsonbundchen@hotmail.com)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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https://www.osul.com.br/e-preciso-saber-morrer/ É preciso saber morrer 2024-08-22
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