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“É uma tragédia a formação de muitos médicos no Brasil”, diz pesquisadora

"Temos unidades formando sem ter nenhum hospital de base para treiná-los", diz Margareth Dalcomo. (Foto: Fiocruz/Divulgação)

O Brasil voltou, no final do ano passado, a permitir a abertura de novos cursos de medicina pelo País. A medida estabelece critérios como a localização em um dos 1.719 municípios pré-selecionados que têm hoje déficit de profissionais em relação à média nacional.

A proibição estava vigente desde 2018 – foi instituída com validade de cinco anos pelo ex-presidente Michel Temer sob o argumento de que era necessário controlar a qualidade da formação dos novos médicos frente ao aumento exponencial e acelerado de cursos nos anos anteriores.

Em 2023, o Brasil de fato chegou a inéditos 562.229 profissionais, mais que o dobro em relação ao contingente de 2010, embora a população tenha crescido somente por volta de 27%. A pesquisa Demografia Médica no Brasil revela ainda uma proporção de 2,6 profissionais a cada mil habitantes.

A taxa, porém, ainda não chegou à meta de 3,3 do Ministério da Saúde, média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O que torna o cenário complexo: o aumento de médicos, e abertura de novos cursos, aproxima o país desse objetivo, mas tem sido acompanhado de críticas à qualidade das novas escolas de graduação.

“Existe uma discussão delicada que é qual a qualidade dos médicos que estamos formando. Eu considero uma tragédia a formação de muitos hoje no Brasil em diversas universidades privadas. Temos unidades formando profissionais sem ter nenhum hospital de base para treiná-los”, diz Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz, membro da Academia Nacional de Medicina (ANM) e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

Além disso, há uma queixa direcionada à falta de ações complementares para desconcentrar os profissionais de grandes centros urbanos. Em São Paulo capital, por exemplo, a taxa atual é de 6,30 médicos a cada mil moradores, quase o dobro do objetivo nacional.

Em entrevista ao jornal O Globo, Margareth fala sobre a abertura recente de novos cursos, destaca medidas necessárias para reduzir a desigualdade geográfica no acesso aos profissionais e comenta ainda a disseminação de práticas sem evidências e a falta de rigor pelos conselhos.

1) Como vê o cenário do número de médicos no Brasil? Acredita que faltam profissionais?

Esse número de falta de médicos não é preciso sozinho. O Brasil tem 560 mil médicos. É considerado pouco, mas há principalmente a dispersão, a alta concentração de profissionais onde não precisa. O país quer atingir o indicador da OCDE. Mas o que houve (nas últimas décadas) foi um aumento exagerado e sem critérios na abertura de cursos de graduação e oferta de vagas na rede privada. Temos 390 cursos de medicina ofertados por instituições de ensino superior, públicas e privadas. São 42 mil vagas por ano. E só 18% são ofertadas por universidades federais, cerca de 7 mil.

2) O governo decidiu retomar a abertura de novos cursos com critérios como localização em municípios com baixa taxa de médicos por habitantes, seguindo a Lei do Mais Médicos. A medida foi criticada pelo Conselho Federal de Medicina. Como a senhora vê a decisão?

Acredito ser esse o caminho. É marcante que, a despeito desse aumento (de profissionais nas últimas décadas) continue havendo essa persistência de concentração geográfica de médicos, sendo a meu juízo absolutamente necessária a interiorização e a desconcentração de profissionais da região Sudeste e capitais.

Mas isso não é simples. Um médico de São Paulo, Rio de Janeiro, que vai para a Amazônia está preparado para lidar com as doenças que circulam lá? Não. Por isso, durante a transição de governo, uma das recomendações foram medidas para que médicos possam ser formados e alocados para trabalharem em regiões de onde são oriundos.

3) Quais medidas podem ser tomadas para reduzir essa desigualdade geográfica além da abertura de cursos apenas em locais com déficit?

Aí entram medidas importantes como o programa Mais Médicos, que sem dúvida nenhuma está cumprindo um papel, colocando profissionais onde precisa. Mas também deveria haver uma formação de médicos regional dedicada com um plano de carreira, para que elas permaneçam no local em que são formados.

4) Fala-se muito sobre essa questão da qualidade de algumas instituições privadas. Isso é um problema hoje para o país?

Existe uma discussão delicada que é qual a qualidade dos médicos que estamos formando. Eu considero uma tragédia a formação de muitos profissionais hoje no Brasil em diversas universidades privadas. Temos unidades formando sem ter nenhum hospital de base para treiná-los.

O que está hoje no Ministério da Educação é que seria necessário que o Brasil ofertasse cerca de 10 mil novas vagas para alcançar a média da OCDE. Mas essas vagas não podem ser todas em universidades cujos donos são de grandes conglomerados que auferem um lucro extraordinário com isso, sem que se compense por uma qualidade mínima de médicos.

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