Há quem afirme que o Hamas “foi, no início, um um projeto israelense”. A acusação é bem antiga, e pode parecer chocante, mas voltou a ganhar força após o ataque do grupo palestino a Israel em 7 de outubro.
Membros do movimento rejeitam categoricamente a existência dessa relação, assim como altos funcionários israelenses, que a consideram infundada.
Mesmo antes do ataque do Hamas a Israel, a afirmação já tinha sido feita e repetida por um ex-ministro palestino em uma entrevista à BBC e aparecido em vários jornais estrangeiros. Ativistas de destaque também a mencionaram nas redes sociais nas últimas semanas.
Décadas atrás, a acusação já foi defendida publicamente pelo ex-presidente egípcio Hosni Mubarak, por um senador republicano diante do Congresso dos EUA e por funcionários do serviço de segurança interna de Israel, o Shin Bet.
A “suspeita sobre uma suposta relação” entre Israel e o grupo islâmico do qual o Hamas surgiu apareceu nas décadas de 1970 e 1980.
O ex-presidente egípcio Hosni Mubarak foi um dos que levantaram essa suspeita, quando acusou o movimento Hamas de ser uma criação israelense. Ele aparece em um vídeo antigo com vários oficiais militares egípcios dizendo: “Israel criou o Hamas para trabalhar contra a Organização para a Libertação da Palestina (OLP)”.
Mubarak não foi o único a fazer essa afirmação: Ron Paul, ex-membro da Câmara dos Representantes dos EUA que concorreu à Casa Branca em 1988 disse ao Congresso em 2009: “Se olharmos para a história, descobriremos que Israel encorajou e ajudou a criar o Hamas, com o objetivo de confrontar Yasser Arafat”.
Além disso, o ex-ministro e membro da delegação palestina durante as negociações secretas em Oslo em 1993, Hassan Asfour, disse à BBC em setembro de 2023 que “o Hamas nasceu após um acordo entre alguns países árabes e Israel – no âmbito de um projeto dos EUA – que buscava uma alternativa à OLP”.
O professor palestino de Relações Internacionais da Universidade do Catar Ahmed Jamil Azm comenta sobre a origem desta acusação. “Os próprios israelenses são parte dessas acusações. As divisões internas entre os palestinos também desempenharam um papel na origem dessas acusações”, diz o professor.
Shin Bet
Em 1981, o jornal New York Times conversou com o então governador militar israelense em Gaza, Yitzhak Segev.
“Os fundamentalistas islâmicos recebem alguma ajuda israelense”, disse Segev ao Times. “O governo israelense me deu um orçamento, e o governo militar fornece apoio às mesquitas.”
No artigo, uma justificativa para isso é apresentada: o dinheiro era destinado a fortalecer a formação que concorria com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
No entanto, Yaakov Peri, que trabalhou como chefe do Shin Bet (agência de inteligência interna) israelense, disse em uma entrevista publicada recentemente: “Fui chefe da agência de 1988 a 1995. Testemunhei a ascensão do movimento Hamas e lembro que nossa avaliação revelou que era mais como um movimento social e que trabalhava para satisfazer as necessidades das pessoas.”
“Muitas pessoas boas em Israel acusaram o Shin Bet de apoiar o aparato político do Hamas como uma alternativa à OLP, mas isso não é verdade.”
Resposta à pergunta
No entanto, é possível responder à pergunta se Israel “fabricou” o Hamas analisando a falácia que a própria pergunta representa.
Israel não “fabricou” o Hamas, mas a complexa rede de longo trabalho social da Irmandade Muçulmana, produzida em meio à ocupação e à resistência palestina a ela, acabou dando origem ao Hamas, como confirmam Ronni Shaked, pesquisador do Instituto Truman da Universidade Hebraica, e Ahmed Jamil Azm, professor de Relações Internacionais.
Assim, pode haver espaço para o debate sobre as acusações de que Israel teria pelo menos ignorado o movimento durante seu início, ou mesmo tentado explorar sua presença quando já havia se tornado uma força crescente na luta palestina.
Mas o contexto histórico do movimento islâmico e as circunstâncias em que ele surgiu demonstram que a acusação de que o Hamas é “uma invenção de Israel” não tem fundamento.