Segunda-feira, 03 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 9 de julho de 2024
A recente eleição parlamentar francesa lançou o país numa imensa incerteza. Antes do segundo turno, realizado anteontem, havia no ar a perspectiva sombria do triunfo da extrema direita, que mesmo se maquiando de centrismo jamais deixou de ser um movimento inspirado no xenófobo e filonazista Jean-Marie Le Pen. Agora, contabilizados os votos, é o bloco de esquerda, em que se destaca o grupo político do trotskista antissemita Jean-Luc Mélenchon, que aparece como a principal bancada da Assembleia Nacional, enquanto a extrema direita, embora tenha crescido, ficou apenas em terceiro lugar. O centro, que tem no presidente Emmanuel Macron sua principal liderança, até conseguiu se recuperar um pouco do desastre do primeiro turno, mas perdeu a maioria que tinha na Assembleia. Ou seja, nenhuma das três forças políticas mais relevantes da França hoje conseguiria governar sem alguma forma de compromisso umas com as outras – um cenário virtualmente impossível, dado o grau de hostilidade entre elas.
Vislumbra-se, portanto, o caos. Obviamente não era esse o resultado que Macron antevia quando teve a ideia de dissolver a Assembleia e antecipar as eleições, depois da surra que levou da extrema direita na disputa pelo Parlamento Europeu. O presidente queria transformar a eleição num tira-teima sobre seu governo e sua liderança. Embora tenha reduzido o prejuízo, é evidente que Macron perdeu a aposta: terá que governar sem qualquer controle sobre a Assembleia.
Num cenário como esse, é improvável que haja algum consenso sobre o interesse nacional, e isso num momento crítico na França e na Europa, às voltas com guerras, perspectiva de afastamento dos Estados Unidos, enfrentamento da concorrência chinesa e transição energética lenta e custosa. No caso especificamente francês, há ainda a crescente dívida, o desequilíbrio das contas e a agitação social, que deterioraram substancialmente a popularidade de Macron.
Nos últimos dias, diversas forças políticas e sociais da França se juntaram numa “frente republicana” destinada a salvar o país das garras da extrema direita – e o resultado disso foi a vitória (felizmente apenas relativa) da extrema esquerda, que é igualmente uma ameaça à democracia, embora as tais forças “republicanas” nunca a tenham tratado como tal. Ao contrário: entre o primeiro e o segundo turno das eleições, os franceses foram bombardeados por mensagens apocalípticas sobre a hipótese de um triunfo do “fascismo”. Até o craque francês Mbappé foi convocado para emprestar seu carisma e sua popularidade a esse movimento de salvação da democracia – que, a propósito, sempre foi útil a Macron, um jejuno na política que alcançou a presidência como a novidade centrista que impediria o avanço da extrema direita.
Agora tudo isso soa como farsa, e a França se lançou no escuro: um presidente sem força política, um Parlamento ingovernável e um país despedaçado. A extrema direita, de fato, ainda não triunfou, mas ninguém na França parece respirar aliviado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.