Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Edson Bündchen | 5 de outubro de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Há um aforismo de Desmond Tutu do qual eu gosto muito e, quase intuitivamente, uso como mecanismo de contenção de alguns de meus próprios impulsos: “Não levante a sua voz, melhore os seus argumentos”, proclamou certa vez o arcebispo da Igreja Anglicana, consagrado com o Prêmio Nobel da Paz, em 1984, por sua luta contra o Apartheid em seu país natal, a África do Sul. Tutu, assim como os milhares que lutam ou lutaram contra a intolerância que permeia o mundo, acreditava na força por vezes silenciosa de gestos e palavras, movidos por um sentido moral cuja potência haveria de se impor, mas não ao custo da supressão do outro.
Essa atitude, muito longe de representar qualquer traço de covardia, reconhecia a fragilidade da harmoniosa convivência humana, sujeita invariavelmente aos humores mais ardilosos e ao permanente flerte com a violência. De fato, o fanatismo sempre esteve a um passo da barbárie, conforme tão oportunamente alertava Diderot, artífice do colossal esforço iluminista em favor da razão, às vésperas da Revolução Francesa, como um dos seus principais precursores.
A tentativa de varrer todo tipo de superstição pelo uso da razão é ainda uma tarefa inconclusa. Há um refluxo de rejeição ao Iluminismo e da ideia setecentista de que a ciência e o conhecimento nos proporcionem o progresso material, espiritual e moral. Ao contrário, assistimos a uma intensa produção da ignorância, agora catapultada pela velocidade das redes sociais e da sociedade hiperconectada, na qual a fragmentação dos saberes andou no mesmo passo da disseminação de mentiras e do fomento à intolerância. Nesse contexto, vozes de contenção são tidas como vacilantes e os prêmios de audiência geralmente tem repousado nos extremos que diariamente se digladiam, não importa se em desfavor do bom senso e da verdade.
Assim, escrever um livro que se atreva a não apenas preservar, mas tecer elogios à razão iluminista, carrega, além da crença na força das ideias que dilaceraram as algemas do obscurantismo, também a coragem de não ser atual aos apelos do aplauso fácil que o sectarismo e os elogios à ignorância promovem hoje. Ao contrário, o palco histórico desta terceira década do novo milênio nos remete à urgente necessidade do resgate e da atualização, até mesmo uma defesa entusiasmada que procuro fazer, dos preceitos que iluminaram o mundo em 1789, quando os revolucionários franceses, não sem enorme custo, descortinaram ao mundo novas possibilidades em termos de liberdade, igualdade e fraternidade, lemas que ainda resistem e se renovam diante de uma realidade tão ou mais aterradora do que aquela testemunhada pela França conflagrada.
Como não poderia deixar de ser, foi preciso quebrar a dúvida que nos acomete diante de iniciativas que vão além do trivial. Nesse sentido, é oportuno lembrar o gênio Goethe, para quem, antes do compromisso, há sempre a hesitação, a oportunidade de recuar, a ineficácia permanente. Mas também é possível, e eu diria imprescindível, quebrar a inércia, superar a dúvida, abraçar o inédito e avançar. Há, ainda de acordo com o polímata alemão, toda a espécie de coisas a nos ajudar, assim que ousamos sonhar construir algo, coisas que de outro modo nunca ocorreriam. É para essa última linha que dirijo agora o meu olhar em sinal de agradecimento.
Um livro é, acima de tudo, e no meu caso de modo ainda mais explícito, uma construção coletiva, afinal, os 100 artigos selecionados que compõem a obra, publicados semanalmente nas páginas do jornal O SUL, são a expressão da interatividade de ideias e saberes em comunhão permanente com uma plêiade de amigos, alguns deles generosamente participando da apresentação dos cinco capítulos, outros opinando sobre a qualidade dos textos e tantos outros nos brindando com suas leituras críticas. Agora, sob a forma de um livro, um pouco do meu pensamento poderá ir quem sabe mais longe, promovendo algumas reflexões que nos levem a um melhor entendimento, especialmente entre nós, eternos aprendizes desse mundo tão incompreensivelmente injusto.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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