Em documento enviado à Justiça, a direção da Americanas acusou seu ex-CEO Miguel Gutierrez de manter uma “narrativa totalmente falaciosa” ao afirmar que os acionistas da varejista tinham conhecimento da crise financeira da empresa, envolvendo nominalmente um deles – Carlos Alberto Sicupira. O texto foi apensado a uma ação protocolada pelo Bradesco (um dos credores da Americanas) na Justiça de São Paulo.
No mesmo documento, a defesa da varejista também acusa a própria instituição financeira de se aliar a Gutierrez na ação. “Em vez de se alinhar com os credores e acionistas que têm buscado, de boa-fé, viabilizar a recuperação da companhia, o Bradesco resolveu se alinhar ao fraudador Miguel Gutierrez, que por anos construiu um patrimônio pessoal vultoso, fabricando resultados fictícios às custas de credores, fornecedores, funcionários e acionistas da Americanas”, alegou.
O Bradesco afirmou que não iria comentar o caso. Já Gutierrez afirmou em nota que “é incompreensível a insistência da Americanas em se precipitar à conclusão das autoridades para proteger seus acionistas controladores e membros do conselho de administração – que têm responsabilidade nas áreas financeira e contábil”.
A nota acrescenta que “a companhia tropeça, assim, na tentativa de proteger pessoas que teriam muito mais condições de ressarci-la pelos danos que diz ter sofrido”.
A Americanas, que já foi uma das maiores empresas do setor varejista no País, está em processo de recuperação judicial desde meados de janeiro deste ano. Sua dívida é estimada em mais de R$ 40 bilhões, como resultado de um rombo contábil.
A empresa é controlada pelo trio de acionistas brasileiros Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, além de Sicupira, que sempre negaram participação no esquema de fraude. Em vez disso, a empresa montou uma investigação interna que responsabiliza a antiga diretoria.
O depoimento de Gutierrez foi o primeiro a citar nominalmente o eventual envolvimento dos sócios. As declarações do ex-CEO, dadas por meio de seus advogados, foram anexadas ao processo em que o Bradesco procura antecipar a produção de provas sobre o que houve na empresa.
Em um dos trechos, Gutierrez afirma que “a ingerência dos controladores da Americanas nas finanças das companhias de seu portfólio é, de mais a mais, fato notório” e que os membros do comitê de auditoria e do comitê financeiro, bem como os do conselho fiscal (aos quais caberiam zelar pela qualidade dos números do balanço da Americanas), “eram indicados ou sempre validados pelo sr. Carlos Alberto Sicupira”.
Reação
Ainda no novo documento apresentado à Justiça, a defesa da Americanas afirma que o Bradesco quer construir uma versão dos fatos alinhada ao que foi visto na declaração assinada por Gutierrez, de que seriam os conselheiros da Americanas, e não Gutierrez, os verdadeiros comandantes da fraude. “Gutierrez não só não traz qualquer prova do que diz, como, ao contrário, sua narrativa totalmente falaciosa é facilmente desmentida por um conjunto irrefutável de evidências”, afirma a empresa.
Só para os maiores bancos do País, incluso o Bradesco, a Americanas deve cerca de R$ 25 bilhões. Existe em curso uma negociação para tentar recuperar parte desses valores, mas ainda não há sinal de um entendimento próximo. Entre os pontos de impasse, está o valor de um novo aporte dos acionistas na empresa, que falam em até R$ 12 bilhões – considerados insuficientes pelos credores para manter as operações da empresa e garantir o ressarcimento dos débitos.
O rombo da Americanas foi parar também na Câmara, que criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Relatório apresentado na semana passada, porém, não indicou nenhum responsável pela maquiagem do balanço.