No dia vinte de outubro faleceu o sr. Victor Colella em Providence, Rhode Island, Estados Unidos. Não se trata de alguém famoso. O falecido era um anônimo, exceto por um episódio judicial que foi gravado e distribuído nas redes sociais com um número infindável de visualizações. O sr. Victor se apresentou em juízo, diante do magistrado Frank Caprio, para responder por uma multa por excesso de velocidade em área escolar. Ao ser inquirido pelo juiz, explicou que tinha, na época, noventa e seis anos e não costumava dirigir em alta velocidade, mas que estava atrasado para levar o seu filho, um idoso portador de deficiência, para um exame de sangue. O heroísmo e o exemplo de dever paternal dados pelo sr. Victor lhe absolveram da multa e ele ainda lucrou um amigo: o juiz Frank Caprio o visitou algumas vezes e ambos dividiram a americaníssima torta de maçã, comemoraram aniversários juntos e tudo o mais.
A história é importante e comovente por dois aspectos: primeiro porque, nesses tempos, generalizou-se a turma dos juízes Pôncio Pilatos (que lavam as mãos) e segundo porque passamos a condenar “o patriarcado” em uma sociedade em que, paradoxalmente, uma grande parte das pessoas sequer têm pais. Eu não consigo imaginar as consequência de não ter um pai presente porque tive – e o meu é um grande herói – mas há literatura extensa sobre o assunto: segundo o Instituto Brasileiro de Neurodesenvolvimento, é comum que pessoas que não tiveram pais presentes em sua formação abandonem os estudos mais cedo, tenham autoestima baixa, desenvolvam TDAH, sejam mais propensas à dependência de drogas e álcool e desenvolvam transtorno de ansiedade.
Quanto ao primeiro aspecto, o altruísmo do juiz Frank Caprio é um exemplo para os magistrados do nosso poder judiciário superlotado, caro, por vezes arcaico, inacessível e com alguns casos bem graves de corrupção generalizada: nas últimas semanas, cinco desembargadores do Mato Grosso do Sul foram afastados das suas jurisdições por suspeita de esquema de venda de sentenças. Situação espinhosa essa, a de manter livres os nossos lobos em troca de dinheiro para aqueles que já o têm tanto, em demasia, isso afora os benefícios, honrarias, cargos, pronomes de tratamento e outros bibelôs institucionais.
É uma feliz coincidência que Victor Colella tenha vivido quase a vida inteira em uma cidade chamada providência (a divina, antônimo de acaso). Foi o que o guiou pelos seus cento e um anos. Sobreviveu à segunda guerra mundial quando serviu à Aeronáutica, mas encontrou, já veterano, uma batalha para si mais significativa: a de ser o pai atencioso de um filho portador de deficiência, mesmo com recursos limitados. Veterano de guerra, jamais abandonou o campo de batalha. G. K. Chesterton disse: “a coisa mais extraordinária do mundo é um homem comum, uma mulher comum e seus filhos comuns.”
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