Uma palavra comum no dicionário da esquerda é “luta”. Sempre se está lutando por uma causa, uma bandeira… É como se a vida fosse um conflito permanente, como se não houvesse solução fora do confronto e do enfrentamento.
Com frequência na história, os grupos humanos se veem na contingência única de lutar. Se uma potência estrangeira invade nossas fronteiras – como fez a Rússia na Ucrânia – que alternativa temos, senão a de resistir? Que opção tinha o mundo senão enfrentar no campo de batalha o Reich insano, o psicopata furioso Adolf Hitler?
De onde vem essa postura de contínuo desafio, de maus bofes e mau humor permanentes, que move dirigentes e militantes ditos “progressistas”? Arrisco dizer que vem, em primeiro lugar, das certezas inabaláveis, da confiança cega nos seus próprios dogmas. Se não há hipótese de o adversário ter alguma dose de razão, se ele teima em não aceitar a verdade revelada, então a única coisa a fazer é subjugá-lo. Se não for pelo argumento, que seja no grito. Na política, no debate social, quanto maiores forem as nossas certezas, mais seremos propensos à beligerância.
A outra razão, que depende da primeira, é o mito marxista da luta de classes. O profeta alemão errou em quase todas as predições. As suas ideias, onde floresceram, só geraram a ruína econômica e as ditaduras mais brutais. Mas Marx é um fracasso que deu certo: tanto mais ele errou, mais os seus seguidores em todo o mundo o reverenciam, principalmente entre os intelectuais, os professores da academia. Podem não ter lido toda a obra do profeta , podem ter lido e não ter assimilado muito bem. Mas a luta de classes é o bordão de todas as horas.
Uma greve de trabalhadores, um movimento popular importante, um grande ou pequeno tremor na economia – tudo tem explicação na luta de classes. Para ter luta, é preciso ter inimigos. E se eles não existem, ou não são tão visíveis nem tão claros, que se os criem, que se lhes ponha na testa um carimbo, que lhes atribua uma maldade congênita, uma incongruência de meios e fins.
Mas será assim mesmo, tudo é luta e conflito? Felizmente, na vida e na história, não é assim. Inúmeras vezes, a solução de um impasse, um conflito, vem do gesto de paz, da cooperação, do entendimento, da concessão mútua.
O que chamamos de civilização não é senão a convivência comum, a resolução pacífica das diferenças. O mundo se tornou mais habitável não nos gabinetes da guerra ou no troar dos canhões, mas nas salas de conferência de paz, quando os homens se estendem as mãos.
Qual a razão, hoje em dia, para fincar pé, se manter em postura de ataque, proclamar que é preciso “luta” em todas as situações? Não nos compele mais a contingência do homem das cavernas, quando se aventurava sair em busca de comida: enfrentar ou fugir, diante do perigo.
Somos o resultado de séculos de evolução, aprendemos com nossos erros e nosso sofrimento: é avançado, é progressista sentar à mesa com o adversário ou inimigo, e encontrar saídas razoavelmente consensuais, nas quais todos perdem e todos ganham alguma coisa.