Domingo, 20 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 29 de novembro de 2021
Vídeos no aplicativo TikTok alcançam milhões de visualizações com promessa atraente em tempos de gasolina vendida a R$ 8: uma adaptação no motor do carro que permitiria ao veículo ser abastecido e rodar apenas com água. Especialistas consultados pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmam que a economia de combustível prometida nas postagens é enganosa e que, mesmo com a mudança, os automóveis continuariam utilizando gasolina. Uma adaptação mal feita do sistema também pode causar danos a componentes do veículo e, no pior dos casos, até colocar os ocupantes em risco.
Os vídeos mais populares ultrapassam as 2,3 milhões de visualizações. Os perfis que publicam esses conteúdos promovem links para sites nos quais é vendido um curso que ensinaria a modificar o motor para alimentá-lo apenas com água. Em alguns casos, as postagens prometem uma eficiência de 650 km com um litro – com isso, daria para ir do Chuí, no extremo sul do País, ao Oiapoque, no extremo norte, com menos de dez litros de água. As postagens foram checadas pela plataforma Estadão Verifica, serviço de verificação de informações do jornal O Estado de S. Paulo.
Em um dos vídeos, um homem avança com o seu carro no engarrafamento do horário de pico e anuncia: “Sabe qual é a minha diferença para esses caras aí? Meu carro é movido a água. Nunca mais entro em posto de gasolina”.
Fernando Silveira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o sistema mostrado nos vídeos funciona a partir da eletrólise da água. A energia do automóvel é utilizada para separar as partículas de hidrogênio e oxigênio da água adicionadas ao reator. A combustão do hidrogênio libera energia que pode ser aplicada para mover o motor. “A energia elétrica obtida do alternador decorre da energia mecânica do motor, que tem origem na queima de combustível convencional (gasolina, álcool)”, esclarece Silveira. “Ou seja, queima-se gasolina para produzir energia elétrica, que então é utilizada na separação do hidrogênio e oxigênio da água.”
O problema, segundo o especialista, é que a energia necessária para realizar a eletrólise supera a energia produzida na combustão do hidrogênio. O resultado consiste em um desequilíbrio energético que não traz benefício na economia de combustível.
Segundo o engenheiro Everton Lopes, mentor nas disciplinas de energia e combustão da Sociedade Brasileira de Engenheiros Automotivos (SAE Brasil), a adaptação pode, a médio e longo prazo, comprometer a vida útil da bateria do carro porque sobrecarrega o alternador do equipamento. Além disso, falhas na instalação podem provocar um curto circuito ou gerar danos elétricos ao veículo. “Qualquer adaptação que não se projeta no momento da concepção de um veículo não é bem-vinda porque pode trazer riscos de dano a longo prazo”, alerta o especialista. “É lógico que vai depender da instalação. Se for feita sem os cuidados pode gerar até um incêndio.”
Em nota ao Estadão Verifica, a Secretaria Nacional de Trânsito afirmou que a modificação apresentada no vídeo não tem previsão legal. O órgão destaca que a Resolução 292/2008 autoriza a alteração da matriz de combustível de motores de automóveis, com a exigência de um Certificado de Segurança Veicular expedido por instituição técnica licenciada.
A adaptação exposta no vídeo não se enquadra nos parâmetros da resolução porque visa o fornecimento de combustível a partir da mistura do hidrogênio e da gasolina. Para a Senatran, o equipamento compromete a segurança dos ocupantes do veículo porque pode interferir nas reações químicas da combustão e provocar problemas no motor.
Alguns vídeos foram retirados do TikTok desde que começou a apuração do Estadão Verifica. Outros ainda podem ser acessados, mas trazem um aviso de que “as ações exibidas neste vídeo podem causar ferimentos graves”. Muitos continuam no ar sem qualquer aviso de segurança. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.