A campanha eleitoral começou a esquentar na Argentina e, em pleno feriado de Carnaval, o embaixador do país no Brasil, Daniel Scioli, divulgou em redes sociais uma carta na qual afirma que “hoje me sinto com força e energia para trabalhar por meu país”.
As especulações sobre seu desejo de disputar novamente a Presidência (em 2015 o embaixador obteve 49% dos votos e foi derrotado por pouco pelo ex-presidente Mauricio Macri) vinham se intensificando, e Scioli decidiu abrir o jogo, sempre deixando claro seu respeito pelo presidente Alberto Fernández — que ainda não descartou publicamente a possibilidade de disputar sua reeleição, o que é o mais provável — e sua disposição em ajudar o atual governo.
O embaixador, que conseguiu recompor a relação do governo argentino com o ex-presidente Jair Bolsonaro e que hoje trabalha intensamente com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, deixou claro seu desejo e vê no chefe de Estado brasileiro um exemplo a seguir.
“Lula foi em busca de alianças com outros partidos, outros setores, independentes. As eleições hoje são muito mais competitivas e é preciso ter inteligência para incluir.”
1) Sua carta foi uma surpresa para muitos. O desejo de voltar a disputar a Presidência se manteve desde a derrota de 2015?
Primeiro quero agradecer muito ao Brasil, onde continuo trabalhando com muito entusiasmo. Minha experiência no Brasil me permitiu incorporar novos temas, ter uma agenda ampla sobre desenvolvimento, energia, infraestrutura, comércio, foi e é muito importante para mim. Fiz aqui muito do que teria feito se tivesse vencido a eleição de 2015, cujo resultado levou a Argentina a um retrocesso.
No Brasil consegui aproximar posições entre nossos países, ser pragmático, que é o que nosso país precisa. Este é um momento em que a Argentina precisa decolar, e temos de ter clareza sobre o que funciona e o que não. Acredito que o futuro é irremediavelmente positivo para nosso país.
Não quero ter razão, quero poder executar minhas ideias. Sei enfrentar desafios complicados, assim o fiz no Brasil, e consegui que Bolsonaro deixasse de ser nosso adversário se fosse nosso sócio comercial e estratégico.
2) O senhor vai participar das primárias de agosto, dentro do peronismo?
O que disse é que não sou indiferente ao atual momento. A partir da experiência de ser embaixador no Brasil, onde continuo e continuarei fazendo meu trabalho, me modernizei, fiz acordos com o governo Bolsonaro, agora com Lula, e continuamos avançando. A dinâmica [eleitoral] veremos depois. Tenho uma relação de amizade profunda com o presidente, pertenço a seu governo e ele sabe que conta comigo, como sempre.
3) Que mudanças o senhor vê entre a eleição que teremos este ano e a de 2015?
Mais uma vez, como em 2015, teremos dois projetos de país, que se expressam claramente quando se fala sobre equilíbrio fiscal. Todos coincidimos que esse deve ser um objetivo, a questão é como chegar a ele. A oposição tem a visão do ajuste, e eu tenho a visão do crescimento, do círculo virtuoso de produção, trabalho e distribuição de renda.
É como uma família, você pode cancelar despesas, serviços, ou ver como ampliar sua renda. Vejo que a Argentina tem enormes possibilidades, sua aliança com o Brasil tem um potencial incrível. Em 2015 eu disse o que aconteceria, e não me enganei. Mas não quero ter razão, repito, quero ajudar meu país.
4) O senhor fala em incluir, aceitaria formar um governo de coalizão com setores da oposição?
Não quero falar nesses termos, mas estamos vivendo novos tempos e precisamos de consensos para políticas de Estado. A política deve ser despolarizada, acabar com brigas de egos, de ver quem grita mais. A política deve ser a defesa do interesse do povo e servir para melhorar a qualidade de vida dos que representamos. A política fala cada vez mais para os políticos e ouve menos. Os grandes projetos precisam da ajuda de muitos, empurrando para o mesmo lado. Isso ficou claro na última Copa do Mundo.
5) O senhor acha que contaria com o apoio do kirchnerismo?
O grande mestre é Lula, veja como ele fez para chegar à sua terceira Presidência. Temos de aprender como ele encarou uma eleição tão exigente, foi em busca de alianças com outros partidos e setores, independentes, centro. Hoje as eleições são muito mais competitivas e é preciso atuar com inteligência. Eu evoluí, ouvi a sociedade e entendo que hoje temos de pensar diferente para governar. Aprendi com os erros cometidos, sou meu maior autocrítico.
6) O senhor seria candidato de um governo com baixo nível de aprovação…
Terão sido quatro anos de um governo com enormes diversidades, acontecimentos imprevistos, uma pandemia, uma guerra. A pandemia, fundamentalmente, afetou muito a população. E tivemos capacidade de resiliência, enfrentamos as adversidades. O povo argentino é muito emotivo e deve ser interpretado. A seleção nacional de futebol nos mostrou isso, e nos deu um exemplo de trabalho em equipe, disciplina.