Domingo, 20 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 19 de abril de 2025
O presidente dos EUA, Donald Trump, com seu projeto de destruição do mundo como o conhecemos desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, tornou-se personagem de onipresença semidivina. O mundo todo está febrilmente refazendo contas e arranjos para lidar com Trump e com essa nova realidade. Não há cálculo político hoje que não tenha Trump como elemento central. No Canadá, por exemplo, o candidato conservador a premiê, que se criou na onda da agressividade trumpista antissistema, teve de recalibrar seu discurso depois de perder seu favoritismo por se ver vinculado a Trump, hoje um nome tóxico no país. Não é o único caso, e é evidente que esse fenômeno terá reflexos também na eleição presidencial brasileira de 2026.
Recente pesquisa Genial/Quaest mostra que Trump é visto negativamente por 43% dos brasileiros, contra apenas 22% que o veem de forma positiva. Outros 23% o avaliam como regular. Como o levantamento foi realizado entre 27 e 31 de março – antes, portanto, do anúncio do chamado “tarifaço” por parte de Trump –, não é improvável que a maioria crítica se torne ainda maior conforme se conheçam os desdobramentos das medidas americanas, a reação da China e os prognósticos sombrios de maior inflação e recessão na economia dos EUA, com inevitável geração de instabilidades, para dizer o mínimo, mundo afora. Portanto, um risco para quem se abraçou politicamente a Trump.
Desde a posse de Trump, líderes extremistas, como o clã Bolsonaro, e da direita moderada, como o governador Tarcísio de Freitas, não hesitaram em se mostrar entusiastas. Inelegível e réu em um julgamento por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro, paródia mequetrefe de Trump, viu ali uma boia de salvação para si e para o bolsonarismo. Aliados mais delirantes chegaram a clamar por uma invasão americana e até sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal, enquanto outros tratam Trump como inspiração nacionalista e como modelo de governança implacável.
Por outro lado, Trump passou a servir de motor para um presidente impopular e sem ideias. Lula da Silva intensificou o artifício a que costuma recorrer para se apresentar como salvador nacional, isto é, a suposta “ameaça à democracia” – na teoria lulocêntrica, o perigo estaria mais agudo com a força do trumpismo e da extrema direita internacional. Como é improvável repetir a disputa de 2022, quando conquistou o apoio de uma frente ampla que viu Lula como uma forma de evitar o pior, ao lulopetismo só resta encontrar um novo inimigo para voltar a unir parte do Brasil.
Trump é hoje esse inimigo. E se, por um lado, Lula e o PT espalham brasas na inflamada retórica contra a união entre o trumpismo e o bolsonarismo, por outro lado o governo segue a tendência de jogar parado na reação ao tarifaço americano. Como costuma falar sem parar, é difícil imaginar que a contenção lulista prossiga por muito tempo, mas não é improvável que recorra à zona de conforto de esperar sentado, assistindo de camarote a uma espécie de autofagia da direita brasileira, extremista ou moderada, que tenta conciliar o inconciliável: o liberalismo econômico não combina com barreiras comerciais.
Ademais, para quem se diz “patriota”, como fazem os bolsonaristas, deveria ser inaceitável adotar a subserviência como prática corrente no relacionamento com Trump e seu projeto de “presidência imperial”, como definiu a revista The Economist – um imperialismo que retoma, sob novas roupagens, o princípio da Doutrina Monroe (a política externa originada no século 19 e sintetizada na frase “América para os americanos”) e do Destino Manifesto (a ideologia que fez os EUA se enxergarem como “nação escolhida”). De Bolsonaro, um liberal de fancaria, não se esperaria algo muito diferente, mas o mesmo não se pode dizer de Tarcísio, que parece ser um liberal genuíno, mas que vestiu o boné de Trump e mantém silêncio obsequioso ante o tarifaço trumpista.
A capacidade de obter dividendos, com Trump ou longe dele, dependerá em grande medida do tamanho do impacto, sobre o Brasil, da política de choque e pavor do presidente americano. Mas isso, por ora, ainda é tão incerto quanto o nome que conquistará os votos da maioria dos brasileiros no ano que vem. (Opinião/O Estado de S. Paulo)