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Emendas parlamentares

A farra das emendas parlamentares, na forma e no volume de recursos, pouco contribuem para o desenvolvimento nacional e o bem comum, e pior, com as deformações que provocam, estão na raiz de uma degradação das instituições, as quais já não eram nenhum modelo de perfeição.

As coisas vinham mal, dava para ver nos debates sobre as verbas secretas do orçamento. Mas as eleições municipais de outubro escancararam de vez: está em curso uma veloz deterioração das práticas políticas, de malversação dos recursos públicos, de uma disfuncionalidade em todas as instâncias de poder.

Espertalhões como Átila Lira foram descobrindo aos poucos que dava para manejar os valores disponíveis do orçamento, e distribuí-los de modo a concentrar mais do que verbas, poder – repartindo o butim entre os pares, e dando preferência aos aliados mais fiéis. A manobra foi elevada ao estado da arte e todos atinaram para a receita quase infalível de renovar os respectivos mandatos. Plante as verbas do orçamento e colha a reeleição.

Alguém dirá: mas sempre foi assim. É verdade. O Executivo também levava suas vantagens – as emendas parlamentares se transformaram na garantia segura de aprovar projetos e evitar dissabores como os pedidos de impeachment.

Mas havia limites, autocontenção, e digamos, decoro. Não era feito com o atual espalhafato e menos ainda com tamanho volume dos recursos. De tal sorte que ao bilionário fundo partidário, se somou um instrumento ainda mais eficaz na obtenção de um novo mandato.

Também se poderia pensar – pessoas ingênuas como eu – que seria bom para o país uma renovação nos quadros políticos, gente que venha com novas ideias e sangue novo, não tão viciada em condutas malsãs. Esqueçam. A renovação, em todas as câmaras legislativas, será cada vez mais reduzida – aquelas cadeiras e tribunas serão frequentadas por uma espécie de dinastia que, quando se renova, é do pai para o filho, do marido para a mulher, e entre a parentagem, o compadrio.

A dinastia se espalha pelos municípios, cujos prefeitos, docemente embalados pela fartura das verbas, por sua vez, renovam seus mandatos. Só nesta eleição de 2024 entre 80 e 90 por cento dos prefeitos que concorreram à reeleição foram vitoriosos. É quase um descalabro o incumbente não se reeleger.

A lambança das emendas parlamentares suscitou ações pontuais junto ao STF de partidos da oposição. O tribunal, alertado para o abuso e distorção, determinou medidas destinadas a conter a hemorragia, reduzir o seu impacto, dar-lhe algum verniz republicano.

Para que! Suas excelências deputados(as) se encheram de brios, e alegando os motivos mais pífios, alguns até defensáveis como a redução das decisões monocráticas, declararam guerra ao STF. Uma Comissão de Constituição e Justiça sem pejo e sem noção, praticamente propôs a subordinação do STF ao Legislativo, pondo abaixo o edifício da República.

Na atual crise entre os poderes Legislativo x Judiciário, se quiserem saber causa e raiz, sigam o dinheiro. O dinheiro do orçamento, das verbas públicas. Tudo que a esmagadora maioria dos deputados deseja é a continuação da farra.

(titoguarniere@terra.com.br)

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