Em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira (23), as empreiteiras da Lava-Jato expuseram um impasse que tem travado as renegociações dos acordos de leniência com o governo. Elas pleiteiam o direito de reduzir em até 70% o que devem, mas a Controladoria-geral da União (CGU) e a Advocacia-geral da União (AGU) entendem que não há espaço para um desconto desse tamanho e tem limitado o corte no saldo devedor.
No encontro, o ministro André Mendonça sinalizou que vê respaldo na lei para a tese das empreiteiras e que, caso o governo concorde com a proposta, daria encaminhamento pela homologação do acordo. O ministro, porém, deixou claro que é responsabilidade da União chegar a uma solução, e não cabe ao STF determinar qual deve ser o valor do desconto.
Para integrantes das negociações, a reunião explicitou que existe uma disputa velada entre STF e governo sobre quem ficará com o “ônus” de liberar as empreiteiras do desembolso para o pagamento das multas. CGU e AGU resistem em assinar um novo acordo abrindo mão de um percentual tão elevado do que as empreiteiras devem. Já Mendonça vê mérito no pleito das empresas, mas entende que não deve ser ele a estabelecer o desenho final do acordo.
Caso a tese das empresas prevaleça, o valor devido por elas poderia cair dos atuais R$ 8 bilhões para cerca de R$ 2,5 bilhões.
A divergência gira em torno do uso do chamado “prejuízo fiscal” no pagamento das dívidas. Empresas calculam o valor do imposto devido ao governo após compensarem os prejuízos verificados nos anos anteriores. Como as empreiteiras da Lava-Jato estão há muitos anos operando no vermelho, elas acumularam uma espécie de crédito contra a União.
Quitação de débitos
Uma lei aprovada em 2022 abriu a possibilidade de uso do prejuízo fiscal na quitação de débitos federais no limite de até 70% do saldo devedor. O governo decidiu expandir o entendimento do uso da transação tributária para o pagamento de multas de acordos de leniência.
O problema é que, no caso das empresas da Lava-Jato, parte do valor devido será destinado não aos cofres da União, mas a estatais que foram lesadas pelas empreiteiras, como a Petrobras.
Sem incluir o saldo devedor com companhias controladas pelo governo, o desconto na multa não chega aos 70% almejados pelas empreiteiras.
CGU e AGU entendem que não é possível liberar as empreiteiras do pagamento à Petrobras e a outras estatais com a tese do prejuízo fiscal, já que elas não são remuneradas por tributos, portanto, não há transação tributária a ser feita. As empreiteiras da Lava-Jato discordam e dizem que o acordo foi feito com o governo e não com as estatais.
CGU e AGU chegaram a avaliar formas de flexibilizar o entendimento e elevar a redução das multas a até 50% do saldo devedor. O entendimento da área jurídica do governo até o momento, no entanto, era que haveria limitações para isso e o corte deveria ser limitado a 30%, muito abaixo do que pedem as empreiteiras.
As empresas querem ainda que, na renegociação dos acordos, sejam anulados pagamentos devidos a outros órgãos de controle ou autarquias sob o argumento que elas estão sendo cobradas em duplicidade. Até o momento, CGU e AGU não haviam aberto a possibilidade de promover algo neste sentido.
Advogados que representam as empreiteiras dizem que, caso o governo não ceda, irão seguir inadimplentes e irão brigar na Justiça pelo direito de reduzir o valor devido. Muitas das companhias não pagam o que devem há anos.
O governo pretende chamar as empresas para uma nova rodada de conversas na próxima semana. Mas a avaliação é que a disposição de CGU e AGU ainda está muito distante do desejado pelas companhias, o que torna difícil se chegar a um acordo. As informações são do jornal O Globo.