Ícone do site Jornal O Sul

Empresa britânica de tradução consultou 1 mil especialistas em busca daquelas palavras mais difíceis de traduzir. Saudade, em português, ficou em sétimo lugar na lista

Ensaio aborda as origens da palavra saudade e reúne fotografias que remetem o autor ao sentimento. Crédito: Reprodução

Em meados da década passada, uma empresa britânica de tradução consultou mil especialistas em busca daquelas que fossem as palavras mais difíceis de traduzir. Saudade, em português, ficou em sétimo lugar na lista, perdendo para expressões em iídiche, árabe e dialeto africano.

Embora tenha similares em outros idiomas, como o alemão Sehnsucht e o romeno dor, a palavra portuguesa usada para definir o sentimento, esse misto de melancolia da perda e prazer da lembrança, tem nuances que escapam aos dicionários.

Tais peculiaridades foram dissecadas por séculos, rendendo incontáveis referências poéticas, como “gosto amargo de infelizes […], delicioso pungir de acerbo espinho”, de Almeida Garrett (1799-1854), além de tratados filológicos e literários, como “A Saudade Portuguesa”, de Carolina Michaelis de Vasconcelos (1851-1925).

As livrarias brasileiras recebem, agora, uma tentativa de tradução ousada – escrita em francês por um estudioso de artes visuais, filho de português, que não falava nada do idioma paterno até descobrir que “saudade” traduzia tudo o que ele vinha tentando dizer sobre fotografias.

“Saudade – Da Poesia Medieval à Fotografia Contemporânea, o Percurso de um Sentimento Ambíguo”, de Samuel de Jesus, 41, foi apresentado em 2010 como tese de doutorado na Sorbonne e chega ao País, pela editora Autêntica, na tradução de Fernando Scheibe.

Espécie de biografia desse enigma português, o ensaio aborda as origens da palavra, entre os séculos 12 e 16, e seus usos literários até chegar aos séculos 20 e 21, nos quais, para o autor, o sentimento ganhou importantes representações iconográficas.

Tem cerca de cem imagens – quase todas belíssimas, mas que infelizmente aparecem miúdas em meio ao texto na edição –, principalmente de fotógrafos franceses, como Pierre Verger, portugueses, como Jorge Guerra, e brasileiros, como German Lorca.

Hoje professor da pós-graduação em artes visuais da Universidade Federal de Goiás, Samuel de Jesus é filho de um sapateiro que, em 1962, escapou da obrigação de servir em campanhas portuguesas na África migrando para a França, onde se casou com uma tipógrafa. A história familiar o levou a se interessar pela questão da memória – ou do esquecimento – da cultura portuguesa na França.

“A partir daí comecei a trabalhar para tentar definir o que poderia ser a imagem da saudade e como esse sentimento se configura na fotografia”, diz o autor. Nas fotografias selecionadas para a obra, a saudade não está necessariamente nos títulos – são leituras do autor a partir de imagens, que evocam espera, falta, retorno.

“O ato fotográfico é um gesto que inicia uma saudade, porque suspende um instante para perpetuá-lo. De certa forma, toda fotografia é um monumento à saudade”, diz Augustin de Tugny, professor de belas artes da Universidade Federal do Sul da Bahia, que assina a apresentação do estudo. (Folhapress)

Sair da versão mobile