O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou-se diversas vezes com o ex-primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, nos anos 2000 — durante boa parte daquela década, ambos foram chefes de governo simultaneamente. Cúpulas multilaterais e reuniões com presenças de craques brasileiros do Milan marcaram as interações da dupla, mas os laços do ex-premier, que morreu nesta segunda-feira aos 86 anos em Milão, com o Brasil vão além.
Das várias reuniões, destaca-se uma visita de Lula a Roma em novembro de 2008, quando foram assinados seis acordos bilaterais nas áreas de defesa, saúde, comércio e pesquisa espacial — Berlusconi havia retornado ao poder há seis meses, e acumulava o comando do país com o do Milan, clube que comprara em 1986. Os 31 anos em que o time milanês esteve sob comando do político, antes da venda em 2017 para um magnata chinês, foram os mais vitoriosos de sua História, com vários títulos italianos e cinco Champions.
O último triunfo continental havia sido em 2007, um ano antes da visita de Lula a Roma. Para receber o petista, Berlusconi convocou a constelação de estrelas brasileiras na sua equipe: Ronaldinho Gaúcho, Dida, Kaká, Emerson e Alexandre Pato. O atacante recém-contratado pelo São Paulo chegou inclusive a ser genro do ex-premier italiano, e fez uma postagem em seu Instagram para homenageá-lo nesta segunda.
De 2011 a 2013, Pato namorou Barbara Berlusconi, a terceira dos cinco filhos do antigo primeiro-ministro, que antes de ingressar na política revolucionou a forma de fazer televisão na Itália, fugindo da rigidez do formato estatal até então predominante. O atacante, que passou os últimos anos na MLS, a liga americana de futebol, hoje é casado com Rebeca Abravanel, uma das filhas do apresentador Silvio Santos.
Lula e Berlusconi já haviam se esbarrado outras vezes: em 2003, por exemplo, quando o mandato do petista havia acabado de começar, estiveram ao mesmo tempo em uma reunião do G8 em Evian, na França, para a qual o então chefe do Eliseu, Jacques Chirac, havia convidado o petista. Em setembro daquele mesmo ano, o brasileiro e o italiano voltaram a ter agendas conjuntas às margens da Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Em julho de 2008, três meses após o terceiro mandato do italiano começar, os dois políticos já haviam se reunido às margens da cúpula do G8, na cidade japonesa de Sapporo. No ano seguinte, o petista almoçou com o par italiano no Palácio Ghigi, a sede do governo italiano, durante uma viagem para a Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar. Lá discutiram o caso de Cesare Battisti, para quem Brasília tinha há pouco tempo concedido status de refugiado, desencadeando uma crise política.
Battisti foi condenado à prisão perpétua em 1987 por ter participado, no fim dos anos 1970, de quatro homicídios atribuídos ao grupo italiano de esquerda “Proletários Armados pelo Comunismo”, considerado praticante de atos terroristas pelo governo da Itália. Integrante do grupo, Battisti chegou a ficar dois anos preso na Itália, mas fugiu da cadeia em 1981, indo para a França antes de se mudar para o Brasil em 2007.
Em 2009, o STF votou pela extradição, mas também decidiram que a decisão final caberia a Lula. No dia final do seu segundo mandato, em 2010, o petista optou por assinar um parecer que manteria Battisti no Brasil. O status de residente permanente foi revogado em 2018, pelo então presidente Michel Temer, e ele foi preso na Bolívia em janeiro de 2019.
Lula encontrou-se com Berlusconi ao menos outras três vezes, em meio ao imbróglio envolvendo o ex-ativista. Em abril de 2009, ambos estiveram ao mesmo tempo em Londres para uma Cúpula do G20 financeiro. Um ano depois, em abril de 2010, reuniram-se em Washington à margem da Cúpula sobre Segurança Nuclear.
Em junho de 2010, o então primeiro-ministro italiano veio a São Paulo, e encontrou-se com Lula na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em São Paulo. Entre os assuntos pautados, o até hoje não finalizado acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Segundo notícias da época, o caso Battisti não debatido naquela ocasião. Em setembro daquele ano, estiveram ao mesmo tempo na cúpula do G20.
Não foi só por política externa e futebol que o nome do ex-premier foi associado ao Brasil. O nome do bilionário virou manchete nacional no ano passado, após a revelação de que uma brasileira à época menor de idade esteve envolvida no caso conhecido como “Bunga-Bunga”, uma grande polêmica sexual que eclodiu em 2011.
O imbróglio explodiu depois de investigações da imprensa italiana que denunciavam o político por realizar festas eróticas regadas a drogas, álcool e sexo. Em maio do ano passado, a procuradora italiana, Tiziana Siciliano, disse que sentiu uma “pena terrível” da mulher brasileira, hoje com 30 anos.
As evidências indicam que a então jovem brasileira frequentava a casa do ex-premier, mas ela nega ter tido “relações íntimas” com ele. Segundo a procuradora, Berlusconi desempenhava o papel de uma espécie de “sultão” em suas festas, contratando mulheres para “animar sistematicamente as noites em casa com grupos de odaliscas e escravas sexuais”.