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Por Redação O Sul | 3 de outubro de 2019
A decisão do presidente do Peru, Martín Vizcarra, de dissolver o Congresso nesta segunda (30) adicionou mais fogo à crise política pela qual passa o país sul-americano. Após uma madrugada confusa, o Peru amanheceu nesta terça (1º) com dois presidentes. Ao final do dia, no entanto, terminou sem sua vice-presidente.
Na briga de narrativas, o presidente, de um lado, argumenta que a Constituição oferece a garantia de dissolver o Congresso após a recusa de duas moções de confiança. A primeira vez teria ocorrido em 2017, ainda com Pedro Pablo Kuczynski, de quem Vizcarra era vice, na Presidência. A segunda vez teria sido agora, quando os congressistas optaram por nomear magistrados em vez de considerar o pedido para reformar as regras de indicação.
Do outro lado, a oposição diz se tratar de golpe porque não houve uma votação explícita para rejeitar a moção de confiança. Os fujimoristas ainda argumentam que, como a primeira moção se deu sob outro presidente, a decisão não deveria entrar na soma.
Desde 2016, quando a empreiteira brasileira Odebrecht começou a cooperar com autoridades locais para revelar esquemas de pagamento de propinas, a política peruana vive uma montanha russa.
Vizcarra assumiu em março deste ano depois da renúncia de PPK, eleito em 2016 por uma pequena diferença de votos e sem nunca conseguir maioria no Congresso.
Após seu envolvimento com a Odebrecht vir à tona, deixou o cargo, não sem antes fazer série de concessões à bancada fujimorista na tentativa de se manter no poder. Ao assumir, Vizcarra tentou aprovar uma agenda anticorrupção, mas bateu de frente com os oposicionistas diversas vezes.
O impasse entre parlamentares e Executivo chegou ao ápice na segunda, quando Gonzalo Ortiz de Zevallos, primo do presidente do Congresso, foi nomeado juiz do Tribunal Constitucional peruano.
Diante da insistência dos parlamentares em prosseguir com as indicações, Vizcarra dissolveu o Congresso. Com a dissolução, os parlamentares perderão o direito ao foro privilegiado no próximo mês. Dois deles já teriam deixado o país, segundo a imprensa local.
A proposta de novas eleições desagrada principalmente parlamentares da oposição, pois eles arriscariam a maioria que possuem no Congresso num momento de desprestígio popular, como apontam as sondagens.
Entenda, abaixo, as causas do impasse entre Congresso e Executivo que mergulhou o Peru em mais uma crise institucional e o que querem seus protagonistas.
Como começou?
A oposição fujimorista compõe maioria no Legislativo peruano e se articulava para nomear 6 novos membros dos 7 assentos do Tribunal Constitucional (TC). O presidente anunciou que dissolveria o Congresso caso lhe fosse negado voto de confiança para reformar a nomeação, o que foi ignorado pelos parlamentares. Como a sessão foi marcada por confusão, apenas um magistrado foi nomeado.
O que é o Tribunal Constitucional?
É o órgão máximo de interpretação e controle da Constituição peruana. Equivale ao STF (Supremo Tribunal Federal) brasileiro. É a última e definitiva instância do Judiciário. Se difere da Corte Suprema, instância superior na qual são julgados recursos de processos provenientes de outras cortes do país, o que, no Brasil, seria uma espécie de STJ.
Por que tantos olhares se voltam ao Tribunal Constitucional?
O fujimorismo é liderado por Keiko Fujimori, presa preventivamente acusada de receber propina da Odebrecht. Em setembro deste ano, a Corte Suprema determinou que Keiko cumpra a reclusão de 18 meses, mas sua defesa anunciou que recorreria ao TC. Seu pai, o ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), também aguarda decisão do TC para recurso que pede sua liberdade.
A dissolução é constitucional?
De acordo com a lei peruana, o presidente pode dissolver o Congresso se duas moções de confiança forem derrotadas pelo Legislativo. Vizcarra interpretou que, quando os congressistas optaram por nomear magistrados, não foi dada prioridade ao seu pedido e, portanto, concretizou-se a segunda derrota de seu governo – a primeira foi em 2017, antes de Pedro Pablo Kuczynski renunciar. Como não houve uma votação explícita para recusar a moção de confiança, a oposição afirma se tratar de um golpe.
O que acontece agora?
Se a dissolução do Congresso não for revertida por decisão judicial, a Constituição determina que novas eleições sejam realizadas em quatro meses. A oposição reagiu, aprovando a suspensão temporária de Vizcarra e nomeando a vice-presidente do Peru, Mercedes Aráoz, como presidente interina. Como o Congresso já estava dissolvido, o movimento, em teoria, não tem efeito jurídico.