Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 16 de junho de 2023
Nesta semana, a Americanas admitiu, pela primeira vez, que sua antiga diretoria realizou uma série de fraudes para esconder a real situação da companhia.
Antes chamadas pela empresa de “inconsistências contábeis”, as operações foram detalhadas em comunicado ao mercado financeiro em que a nova diretoria relata os resultados preliminares da investigação independente que está sendo conduzida na empresa.
O documento mostra como a empresa fez uso de contratos de propaganda e financiamentos a fornecedores fictícios ou maquiados para tentar maquiar seus números.
O resultado dessas operações foi uma fraude de cerca de R$ 20 bilhões que, segundo o novo presidente da Americanas, Leonardo Pereira, que assumiu o comando da empresa após o pedido de recuperação judicial, gerou um lucro artificial. Com base neste resultado contábil maquiado, foram pagos os bônus para a diretoria, dividendos para acionistas e impostos.
Em depoimento à CPI da Americanas na Câmara, Pereira explicou que a fraude ocorria por meio de lançamentos com sinais opostos no balanço da empresa, em alguns casos adicionando valores e em outros subtraindo montantes, o que dificultava a detecção da irregularidade. Por isso, não é possível somar as rubricas das fraudes descritas.
O tamanho da fraude é de cerca de R$ 20 bilhões, reiterou o CEO da Americanas.
Entenda, em nove pontos, como a empresa conseguiu esconder por tanto tempo essa fraude bilionária e as consequências que o documento podem ter:
A antiga diretoria da Americanas, de acordo com o fato relevante, teria usado uma série de contratos fictícios de propaganda, “artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais” da empresa.
Esse tipo de contrato movimenta a chamada Verba de Propaganda Cooperada (VPC). Para reduzir custos, as varejistas promovem ações de publicidade de produtos de seus fornecedores. Ao fazer essa “cooperação”, a empresa ganha um desconto na hora de pagar pelos artigos adquiridos.
André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, especializada em varejo, afirma que o instrumento é “comumente” usado no setor e, historicamente, é considerado um ponto que demanda a atenção das empresas de auditoria contábil. No passado, esse tipo de contrato já foi fonte de problemas em balanços de varejistas. O exemplo mais recente aconteceu com o Carrefour, em 2010.
“Faz sentido que a indústria beneficiada na propaganda dê uma contrapartida financeira. Isso envolve uma negociação. No caso da Americanas, ao que parece, essas negociações e contratos não existiam na realidade”, explica.
As contrapartidas contábeis desses contratos de VPC “não tiveram lastro financeiro associado” e foram em sua maior parte lançados como “redutores da conta de fornecedores”, de modo a reduzir o custo da mercadoria vendida, segundo o fato relevante da Americanas. Ao todo, esses redutores somam R$ 17,7 bilhões no balanço da varejista. Outros R$ 4 bilhões aparecem no balanço como ativo da companhia.
Para o advogado Antônio Mazzucco, do escritório Mazzucco e Mello, que representa credores não financeiros da Americanas na recuperação judicial da varejista, o caso é uma fraude clássica.
“Criou-se um ativo que não existia na Americanas. É a típica fraude contábil. Esses contratos eram fictícios e geraram créditos sem lastro para a companhia”, afirma.
O documento não revela por quanto tempo esse esquema funcionou, apenas diz que os lançamentos ocorreram por “um significativo período” e atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões no fim de setembro do ano passado.
Pimentel afirma que não está claro se todos os contratos de propaganda cooperada da Americanas eram falsos.
Mazzucco diz que o documento é favorável aos membros do conselho de administração da Americanas, entre eles o acionista Carlos Alberto Sicupira, que junto com Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann forma o trio de acionistas de referência da Americanas.
“Se houve fraude nas contas apresentadas e somente os diretores sabiam, os acionistas podem mover uma ação contra os administradores da empresa. Ocorre que quem elegeu os supostos bandidos foi o conselho de administração. Além disso, um conselho se reúne regularmente e avalia negócios e relatórios gerenciais. Uma fraude desse tamanho extrapola as demonstrações financeiras. Vejo com sérias reservas o documento”, ressalta Mazzucco.
Em suas quatro páginas, o documento assinado pelas Americanas afirma que os membros da diretoria estatutária da companhia foram os responsáveis pela fraude, buscando “ocultar do conselho de administração e do mercado em geral a real situação de resultado e patrimonial da companhia”.
Pimentel, da consultoria Performa Partners, diz que essa afirmação deve sofrer questionamentos na Justiça.
Há também mais R$ 2,2 bilhões em operações de capital de giro também mal classificadas, ainda de acordo com o fato relevante. Para a advogada Beatriz Trovo, especialista em mercado de capitais, é provável que esse montante “tenha sido contabilizado no balanço, mas em uma ‘linha’ errada”.
Segundo a Americanas, “a indevida contabilização dessas operações de financiamento nos demonstrativos financeiros da Americanas não permitiu a correta determinação do grau de endividamento da companhia ao longo do tempo”.
A operação de risco sacado, ou forfait, que deu origem ao escândalo envolvendo a Americanas em janeiro, também aparece no fato relevante citada como fraude de R$ 18,4 bilhões. Risco sacado é uma modalidade de operação por meio da qual um varejista compra mercadorias de um fornecedor usando uma triangulação com uma instituição financeira, que antecipa o pagamento ao fornecedor e cobra dele e do varejista juros e encargos pelo serviço.
Desde 2016, a Comissão de Valores Mobiliários, órgão regulador do mercado de capitais, orienta as empresas a classificar essas operações como dívida bancária, mas a Americanas colocava os valores desse tipo de operação bancária na conta de fornecedores, como se não fosse uma dívida com instituições financeiras.