A indefinição quanto ao futuro dos recursos públicos na atividade audiovisual no Brasil leva o setor a ponderar se o País não estaria à beira de voltar ao marasmo da era Collor —época que chegou a ter só dois filmes nacionais lançados por ano. A Ancine (Agência Nacional do Cinema), agência que fomenta e fiscaliza a atividade por aqui, foi emparedada pelo Tribunal de Contas da União e recebeu dele um um ultimato: ou muda a forma como fiscaliza as finanças dos projetos a ela submetidos ou está suspensa a liberação de verbas públicas.
O TCU, que abriu uma sindicância para apurar como a agência fiscaliza o emprego de recursos, achou irregularidades e deu um prazo de 60 dias para que a entidade proponha uma nova forma de controle da prestação de contas de projetos audiovisuais.
A crise ameaça a permanência de Christian de Castro na presidência da Ancine. Na quarta (3), o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) protocolou na Comissão de Cultura da Câmara um pedido para afastar o dirigente, “até que as coisas se resolvam”, segundo postou nas redes. E aventou a possibilidade de o Executivo já estar armando sua substituição pelo diretor Moacyr Góes (“Dom”, Xuxa Abracadabra”).
Contra a visão catastrófica, pesa outra, mais pragmática. A indústria do audiovisual cresceu de maneira exponencial nos últimos 25 anos, desde que a produção foi retomada. Não parece crível, portanto, que será novamente escanteada sem algum tipo de salvaguarda.
A Ancine fala em receitas do setor na casa dos R$ 25 bilhões por ano e que área emprega cerca de 335 mil pessoas. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica da USP calcula que o cinema responda por 0,44% do PIB nacional. O mesmo estudo estima que até 70% dos filmes brasileiros exibidos entre 1995 e 2016 foram contemplados com alguma forma de incentivo público.
A dependência do Estado, como é regra na maioria dos países, explica o tombo que o setor pode levar caso as verbas sejam cortadas.
Isso explica por que produtores brasileiros estão paralisando a realização de projetos já aprovados ou buscando outras formas de completar seus orçamentos.
O paulista Paulo Boccato (“Tô Ryca”) disse que postergou um documentário, previsto para começar em maio. “Desisti até ver como isso vai afetar”, diz. Caso parecido é o do produtor carioca Júlio Uchoa (“S.O.S.: Mulheres ao Mar”), que tem um futuro filme de ficção na berlinda. “Só não digo que estou adiando porque estou trabalhando para achar recursos de outras fontes”, conta.
“Está todo mundo apreensivo, e de fato algumas pessoas estão segurando seus projetos”, resume Leonardo Edde, que preside o Sicav (Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual, do Rio de Janeiro). Ele crê que a paralisação se deve mais a falta de informações, tanto é que na quarta (3) fez uma reunião com o TCU.
Outros dois produtores, que pediram para não ser identificados por temerem uma “caça às bruxas”, relatam situações parecidas para completarem seus filmes. Eles se queixam de que verbas já aprovadas e que deveriam ter sido liberadas foram retidas.
“Tem sido uma semana de trabalho perdida”, diz o sócio de uma produtora no Rio, que captou recursos. para um longa de ficção já filmado e aguarda verba para a finalização. “Só vamos tomar uma decisão a partir do momento que tivermos uma informação clara sobre o que vai acontecer.”
Em comum, os produtores se queixam da falta de transparência por parte da chefia da agência.