O que há em comum entre a decisão do Carrefour de vetar carne do Mercosul em suas lojas na França e os protestos de agricultores daquele país durante a reunião do G20, realizada este mês no Rio de Janeiro? A resposta é um acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o bloco sul-americano, com impactos sobre o agronegócio brasileiro.
Não se trata de uma novidade: foi assinado em 2019, mas até agora não saiu do papel por falta de consenso. Ao longo dos anos, a França e outros países do Velho Continente se posicionaram contra ou fizeram restrições parciais aos termos.
No dia 17 de novembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse à imprensa brasileira que o bloco tem trabalhado intensamente no acordo: “Como sabemos, o diabo está nos detalhes, e a reta final é a mais importante, mas, normalmente, a mais difícil”. Ela veio ao Brasil para o G-20, assim como vários líderes mundiais.
Enquanto o encontro acontecia no Rio, agricultores protestavam em cidades francesas para demonstrar insatisfação com o acordo UE-Mercosul e com o governo do seu país. Eles jogaram estrume nas ruas, esvaziaram tanques de vinho e bloquearam estradas.
No terceiro dia de manifestações, o presidente executivo do Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou o veto à carne do Mercosul, em uma carta dirigida aos produtores rurais franceses. A posição foi alvo de críticas do governo brasileiro e dos agricultores do bloco sul-americano que tem ainda Argentina, Paraguai e Uruguai.
Bompard não deixou clara a extensão da medida. Posteriormente, a rede de supermercados explicou que a restrição valerá somente para lojas da França — que, no entanto, praticamente não vendem carne que não seja daquele país.
Ainda assim, as principais associações do agro brasileiro mantiveram as críticas: “Se [a carne do Mercosul] não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, disseram, em nota.
Em menos de um mês, trata-se do segundo episódio em que executivos de empresas com sede na França falam sobre restrições que envolvem o agro brasileiro, um dos maiores exportadores do mundo. Em outubro, o diretor financeiro global da Danone afirmou à Reuters que a gigante de laticínios não comprava mais soja do Brasil. Dias depois, a empresa disse que a informação “não procedia”, mas não explicou a fala.
Neste caso, a motivação seria uma lei da União Europeia contra produtos que venham de áreas de desmatamento. Ela entraria em vigor no fim de dezembro, mas acabou de ser adiada em 1 ano. A questão ambiental também é usada pelos europeus em argumentos contra o acordo UE-Mercosul .
Questionamento
Afinal, por que agricultores franceses (e de outros países europeus) são contra esse acordo? Que benefícios ele traria para o Brasil? As leis europeias são mesmo mais rigorosas do que as brasileiras?
Pecuaristas e agricultores europeus temem perder espaço com a livre comercialização dos alimentos do Mercosul no bloco, principalmente os brasileiros. Isso porque a mercadoria do Brasil passaria a ser mais competitiva em preços, devido à alta produtividade do país e ao aumento do custo de produção na Europa por causa das guerras.
O Brasil, por sua vez, seria o principal beneficiado pelo acordo, com uma estimativa de aumento de 0,46% no PIB, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Não é verdade, porém, que as leis ambientais sejam menos rigorosas para a agricultura no Brasil do que para a europeia, como alegam produtores contrários ao acordo. O Brasil é um dos poucos países com um Código Florestal que exige que as lavouras tenham uma área extensa de reserva. Mas ainda tem que lidar com altas taxas de desmatamento ilegal.
O que é o acordo
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia tem o objetivo de reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos. Ele não vale apenas para produtos agrícolas, mas este setor tem protagonizado boa parte dos embates.
A negociação começou em 1999 e o termo foi assinado em 2019. Desde então, o texto tem passado por revisões e exigências adicionais, principalmente por parte da União Europeia, devido à pressão imposta pelos por agricultores dos países-membro.
Para ser colocado em prática, o documento precisa ser ratificado pelos parlamentos dos 31 países envolvidos.
O ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Carlos Fávaro, disse que a expectativa do governo federal é de que o acordo seja anunciado na reunião da cúpula do Mercosul, no próximo dia 6 de dezembro. A fala foi na última segunda-feira (18), também durante o G20.