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Entenda por que chuvas que provocaram destruição no litoral de Santa Catarina são difíceis de prever

Magnitude do evento surpreendeu até meteorologistas da Defesa Civil. (Foto: Leo Munhoz/Secom)

As chuvas volumosas que atingiram parte do litoral de Santa Catarina nessa semana formaram um cenário de caos em diferentes cidades, com registros de morte, abertura de cratera em rodovia, pessoas ilhadas e outras ocorrências. A magnitude do evento, no entanto, surpreendeu até mesmo meteorologistas da Defesa Civil estadual.

Segundo a professora Regina Rodrigues, especialista em estudos das mudanças climáticas, o evento extremo que deixou ao menos 13 municípios em situação de emergência era difícil de prever por ser tratar de um fenômeno local, que carece de investimentos e estudos.

A pesquisadora atua na Coordenadoria Especial de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e explica que ainda existe uma lacuna no conhecimento científico da natureza desse tipo de fenômeno, popularmente conhecido como lestada.

“São nuvens que os satélites não captam. A gente usa muitos dados de satélites para alimentar os modelos. Radares meteorológicos, sozinhos, não fazem previsão”, pontua.

Os radares, segundo ela, ajudam profissionais que utilizam os modelos na previsão. Ela defende, porém, investimento em capacitação e recursos humanos para que situações como essas possam ser gerenciadas.

“Todo conhecimento que a gente tem é mais do Hemisfério Norte e de pesquisadores de países como Estados Unidos e da Europa. Então por isso a gente sabe mais de eventos extremos que ocorrem lá. Esse evento é superlocalizado e a gente não tem o conhecimento científico, porque não há investimento nisso”.

Conforme a Defesa Civil de Santa Catarina, em nota, o evento que começou na quinta-feira (16) apresentou “características inesperadas”, supreendendo até mesmo os meteorologistas do órgão.

Causas da chuva

De acordo com a Epagri/Ciram, órgão que monitora as condições de tempo no estado, a chuva ocorreu por conta da combinação de dois fatores:

• Circulação marítima – quando ventos úmidos vindos do oceano se encontram com as áreas de relevo, criando um ambiente favorável à precipitação;

• Sistema de baixa pressão atmosférica – isto é, área onde a pressão atmosférica é menor do que as regiões ao redor, o que gera movimentos verticais ascendentes do ar. Esse tipo de sistema está associado à presença de nuvens, chuva, tempo encoberto e tempestades.

Acima da previsão

As ferramentas de previsão disponíveis, segundo o texto, apontavam uma condição de chuva entre 50 a 70 milímetros entre a Grande Florianópolis e o Litoral Norte, áreas mais afetadas. Em apenas 24 horas, no entanto, cidades como Biguaçu e São José registraram acumulados próximos dos 300 milímetros, segundo boletim divulgado pelo órgão na tarde desta sexta-feira.

Em vídeo divulgado pela Defesa Civil de Santa Catarina, o meteorologista do órgão Felipe Theodorovitz afirmou que os modelos de previsão do tempo “tem dificuldade em estimar o volume de chuva previsto, como que aconteceu nas últimas horas, por conta da geografia do nosso litoral”.

Mudanças climáticas

A intensidade das chuvas, conforme a especialista, foi suficiente para conectá-la ao contexto das mudanças climáticas, em que os eventos extremos são cada vez mais comuns.

“Nos anos em que uma La Niña fraca está para se estabelecer existe uma pré-disposição a isso. Mas mesmo que esteja relacionado a La Niña, é um fenômeno difícil de prever e saber exatamente a localidade”, explica.

A professora lembra que é necessário investir em previsão, defesa civil e em ciência para que esses fenômenos não levam localidades à destruição.

“O planejamento urbano tem que começar a levar em consideração esses eventos extremos dessa magnitude, com preservação e restauração de áreas de mata nativa”, comenta.

Cidades-esponjas

Uma das soluções apontadas por ela é o conceito de cidades-esponjas. O conceito parte da ideia central de que as metrópoles modernas lidam com a água de maneira errada. Em vez de coletar a água das chuvas e jogá-la o mais rápido possível nos rios – como ocorre habitualmente –, as cidades-esponja lançam mão de uma série de recursos que asseguram espaço e tempo para que a água seja absorvida pelo solo.

“Com preservação, manejo e restauração de matas nativas, manguezais e investimento em mais áreas e parques ecológicos dentro da cidade, mais arborização, você minimiza esse impacto quando tem uma chuva forte”, afirma.

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