No século XXI, andar por aí começou a ser visto como algo positivo. Questionado sobre os benefícios de vagar sem rumo, o neurocientista Bruno Ribeiro, professor do Departamento de Anatomia Humana e Psicobiologia da Universidade de Múrcia, na Espanha, lista as boas razões que temos para andar por 20 a 30 minutos todos os dias.
“A caminhada tem dois aspectos, quando você a faz por lugares familiares e quando você passa por lugares novos. Se você caminhar por lugares que já conhece, os primeiros efeitos positivos são os da ativação cardiovascular: quem mexe as pernas, mexe o coração. Enquanto você caminha, você vira a cabeça: o campo visual muda e há estímulos visuais à direita e à esquerda. Desta forma, ambos os hemisférios cerebrais são ativados, a caminhada faz com que eles conversem entre si. Este é um exercício magnífico, porque no cérebro um hemisfério tende a dominar o outro.”
Ribeiro explica que se for feito conscientemente “estando aqui e agora”, a caminhada torna-se um ato meditativo.
Ainda mais coisas acontecem no cérebro quando caminhamos por lugares desconhecidos, segundo Ribeiro, como a liberação de dopamina, um neurotransmissor que marca a novidade no cérebro e serve para identificar o perigo ou para prestar atenção. Uma boa ingestão diária de dopamina aumentará outro neurotransmissor, a serotonina, responsável pelo humor. A caminhada ajuda a manter ambos os neurotransmissores em níveis elevados.
Os flâneurs, românticos caminhantes parisienses, foram identificados por Charles Baudelaire como “observadores diletantes da vida urbana”. A princípio eram considerados pessoas preguiçosas, sem ofício ou proveito, homens de pouco lucro, dedicados a perder tempo. O Grande Dicionário Universal Larousse do século XIX de 1872 os descreveu de forma ambivalente, inquietos e preguiçosos em partes iguais. Mas nessa época também começaram a aparecer os defensores da arte de caminhar. O escritor e crítico literário Charles A. Sainte Beuve escreveu que flânerie era “o oposto de não fazer nada”. E Balzac, aquela errância era “gastronomia para os olhos”.
O que se sabe hoje sobre os benefícios da caminhada? Vários ensaios clínicos e experimentos mostraram que a divagação mental de quem caminha estimula a criatividade. A explicação é que, como não é necessário nenhum esforço consciente para caminhar, a atenção é liberada, ela se abre para novas imagens e associações, e a mente mistura tudo. É precisamente o estado perfeito para inovar. Isso foi verificado por dois professores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Marily Oppezzo e Daniel Schwartz, em uma série de estudos em 2014 que mediram como caminhar mudava os níveis de criatividade a cada momento.
Nos quatro experimentos, 176 alunos tiveram que completar várias tarefas de pensamento criativo enquanto estavam sentados, andando em uma esteira ou andando pelo campus. Em um dos testes, eles tiveram que encontrar usos atípicos para objetos do cotidiano, como um botão ou um pneu. O que eles descobriram foi que, quando os alunos caminhavam, descobriram até seis vezes mais usos para esses objetos do que quando faziam o teste sentados. Porém, nos testes que exigiam uma resposta única e precisa, mais erros foram cometidos quando o grupo caminhava. Os pesquisadores concluíram que deixar a mente à deriva em um mar de pensamentos era bom para criar, mas não para encontrar uma solução única para um problema.