Os incêndios que ocorrem na Austrália estão entre os piores da história do país. Mais de 20 pessoas já morreram, centenas de casas foram destruídas e uma área gigantesca foi queimada. Para piorar, o verão australiano está longe do fim e não há previsão de chuva tão cedo.
Mesmo que o tempo quente e seco que alimenta os incêndios não seja novidade na Austrália, algumas peculiaridades que tornaram as queimadas mais graves desta vez.
Veja abaixo perguntas e respostas sobre o assunto.
O que está causando os incêndios?
A situação desastrosa foi criada pela combinação de recordes de temperatura, uma longa seca e fortes ventos.
O último sábado (4) foi o dia mais quente já registrado na região metropolitana de Sydney, com a cidade de Penrith atingindo quase 48,8º C, de acordo com agência de meteorologia da Austrália. A capital nacional, Canberra, estabeleceu um recorde com uma temperatura de 43,3º C.
O calor extremo veio em seguida da primavera australiana mais seca já registrada. A maior parte dos estados de Nova Gales do Sul e Queensland tem tido déficits de chuva desde o começo de 2017. A seca atingiu as áreas com maior produção agrícola do país, algumas das quais agora se encontram em chamas.
Fogo australiano é diferente das queimadas na Amazônia?
Recentemente, o ministro Ricardo Salles comparou o destaque dado aos incêndios nos dois países.
“Sibéria queimou 3 vezes mais que a Amazônia. Na Austrália, quase 6 vezes mais. Mas certas ONG’s e alguns jornalistas só se importam em falar mal de seu próprio país e, claro, sempre contra o Governo. Seletividade absoluta….”, afirmou o ministro, em rede social.
O fogo na Austrália é histórico e faz parte do regime de parte do bioma australiano, e pode ocorrer de forma natural, principalmente por raios. Parte da vegetação, inclusive, é adaptada ao fogo —algo semelhante ao que vemos no cerrado brasileiro.
Ou seja, não é incomum um incêndio em determinadas áreas de vegetação na Austrália.
A Amazônia, por outro lado, é um bioma extremamente úmido, onde o fogo não faz parte dos processos ambientais. “Uma grande parte da Austrália tem uma vegetação seca, que está acostumada com um regime mais frequente de fogo, enquanto a Amazônia não tem um regime de fogo, que não ocorre de forma natural na floresta”, diz Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade Oxford e da Universidade de Lancaster.
Isso quer dizer que as queimadas na Amazônia são causados por ação humana, normalmente associada a desmatamento.
Na Austrália, historicamente, muitos incêndios também são causados por pessoas (seja de forma acidental ou intencional), mas boa parte ocorre naturalmente.
Quão extensos são os incêndios?
No início de setembro, a Austrália começou a ver sinais de que a temporada de fogo deste ano seria diferente.
No dia 9 de setembro, uma parte da região de Binna Burra, luxuoso local nas montanhas de Queensland, foi destruída pelo fogo. As chamas nas florestas dos arredores alarmou cientistas, segundo os quais incêndios nessa região são raros por se tratar de uma área mais úmida.
O fogo queimou por todo o país nos últimos meses, afetando quatro dos seis estados. A costa leste da Austrália foi a mais atingida. No início de novembro, 1.500 bombeiros combateram 70 incêndios em Nova Gales do Sul, estado do sudeste que inclui Sydney.
Em 11 de novembro, o estado emitiu uma classificação de risco de incêndio “catastrófico” pela primeira vez na década. Em Sydney, cidade que emitiu uma proibição total de queimadas, a fumaça pesada descoloriu o céu em muitos dias e a qualidade do ar esteve entre as piores do mundo em alguns momentos. As redes sociais foram inundadas por fotos de céus vermelhos ardentes e pessoas fugindo para as praias entre Sydney e Melbourne.
Até agora, cerca de 10 milhões de acres foram queimados apenas em Nova Gales do Sul, destruindo quase mil casas.
No total, aproximadamente 12 milhões de acres foram queimados pelos incêndios. Em comparação, cerca de 1,9 milhão de acres queimaram nos incêndios de 2018 na Califórnia, os quais foram os mais destrutivos do estado, matando cerca de 100 pessoas.
Quando os incêndios atingiram o sudeste da Austrália no início da semana passada, o número de mortos na temporada de fogo era de pelo menos 15. Desde então, pelo menos sete pessoas foram mortas em Nova Gales do Sul — incluindo um bombeiro voluntário, o terceiro a morrer nesta temporada. Uma outra pessoa morreu no estado de Victoria.
Quem está enfrentando os incêndios?
Dezenas de milhares de bombeiros, a grande maioria deles voluntários, trabalham há semanas, às vezes com cargas de 12 horas por dia, nos incêndios. A pressão sobre os bombeiros levantou questões sobre a dependência do país de uma força voluntária.
O governo federal da Austrália anunciou na semana passada que voluntários em Nova Gales do Sul receberiam uma compensação de até US$ 4.000. Essa mudança de política foi inicialmente contestada pelo primeiro-ministro Scott Morrison.
Na semana passada, enquanto os incêndios causavam destruição generalizada, a Austrália mobilizou seus militares e pediu ajuda a aliados. A Força de Defesa Australiana disse terça-feira (31) que enviaria helicópteros militares, aviões e navios para Victoria e Nova Gales do Sul.
O governo também pediu aos Estados Unidos e ao Canadá que fornecessem aviões-tanque para combate aos incêndios. O Canadá prometeu enviar mais de 30 bombeiros para ajudar os australianos.
A mudança climática é responsável pelo desastre?
O início devastador da temporada de fogo confirmou o que os cientistas estavam prevendo: os incêndios na Austrália se tornarão mais frequentes e mais intensos à medida que a mudança climática avançar.
Poucos países desenvolvidos são tão vulneráveis às mudanças climáticas quanto a Austrália, de acordo com estudos.
A Austrália é normalmente quente e seca no verão, mas as mudanças climáticas, que trazem períodos mais longos e mais frequentes de calor extremo, pioram essas condições e tornam a vegetação mais seca e com maior probabilidade de queimar.
As condições catastróficas de incêndio colocaram um foco intenso no fracasso do governo australiano em reduzir as emissões de dióxido de carbono, responsável por reter o calor na atmosfera.
Mesmo com o aumento das emissões, o país, atualmente governado por uma coalizão conservadora, tem dificuldade em chegar a um consenso político sobre políticas de energia e mudanças climáticas. Essas políticas, em parte, são influenciadas pela longa história de mineração da Austrália e seu poderoso lobby de carvão.
Como o tempo afeta as chamas?
Clima e tempo são conceitos diferentes, mas relacionados. O clima é uma descrição dos padrões climáticos de longo prazo esperados em um local específico, enquanto o tempo é a mistura de eventos que ocorrem na atmosfera em um determinado momento e local — pense em temperatura, vento e precipitação.
Uma mudança climática significou um aumento de temperatura nos oceanos indiano e antártico, o que, por sua vez, significou um tempo mais seco e quente na Austrália neste verão.
Os dias de fogo mais perigosos ocorrem quando o ar quente e seco sopra do centro do deserto do continente em direção às costas populosas. Uma frente de ar — onde massas de ar em diferentes densidades se encontram — pode fazer com que a direção do vento mude rapidamente. Em última análise, isso significa incêndios maiores se espalhando em várias direções.
Os incêndios australianos podem ser tão grandes e quentes a ponto de gerar seus próprios sistemas perigosos e imprevisíveis. Essas tempestades de fogo podem produzir raios, ventos fortes e até tornados de incêndio. O que eles não produzem é chuva.
O bombeiro voluntário que morreu na segunda-feira (30) foi esmagado depois que um tornado de incêndio levantou um caminhão de bombeiros do chão.