Números do Ministério da Saúde obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que pacientes precisaram aguardar, em média, quase dois meses (57 dias) para serem atendidos em 2024. A espera durou mais até do que o registrado durante a pandemia de covid-19, em 2020, quando a média foi de 50 dias, até então a maior marca da série histórica iniciada em 2009.
O levantamento foi possível após cruzamento de dados do Sistema Nacional de Regulação, software usado pelo governo federal para gerir o acesso à saúde. Os dados mostram que 5,7 milhões de pessoas aguardavam por uma consulta em janeiro deste ano em todo o País.
O tempo médio para uma consulta, que engloba as 84 especialidades disponíveis no SUS, nas 27 unidades da federação, contudo, mascara a realidade de locais onde conseguir ser atendido é um exercício de paciência. O maior prazo, segundo os dados, é para quem precisa de uma avaliação de um especialista em genética médica, indicada para casos de anomalias congênitas, no Mato Grosso. Do pedido de agendamento até o paciente ser recebido no consultório médico são, em média, 721 dias — ou seja, dois anos de espera.
O tempo pode ser menor quando se trata de especialidades menos complexas. A principal demanda do SUS no ano passado, por exemplo, foram pelas consultas oftalmológicas, que tiveram 175,9 mil solicitações. Neste caso, considerando a média do País, a espera pelo atendimento foi de 83 dias, quase três meses.
O Ministério da Saúde afirma que a redução no tempo de espera de consultas, exames e cirurgias no SUS é a prioridade do novo ministro, Alexandre Padilha.
Em nota, a pasta afirmou que tem adotado iniciativas que já ajudaram a reduzir filas e, no ano passado, “registrou recorde histórico” de cirurgias eletivas. “Foram mais de 14 milhões de procedimentos realizados, um crescimento de 37% em relação a 2022”, diz a nota.
Apesar de o sistema usado pelo Ministério ser a única base de dados do governo federal para saber a situação das filas, a pasta afirma que os números são falhos. Nem todos os Estados preenchem o sistema de forma adequada. Capitais como São Paulo, Rio e Belo Horizonte, por exemplo, possuem ferramentas próprias de controle, que não são integradas ao da Saúde.
Novo sistema
Há uma semana, a pasta publicou uma portaria que prevê a substituição do Sisreg por um novo sistema, batizado de E-SUS Regulação. A norma obriga gestores locais a enviarem dados sobre as filas de atendimento de forma periódica, independentemente do sistema utilizado pelos estados e municípios. Ainda não há prazo para que a nova plataforma seja implementada.
Angústia
Além da demora recorde para se conseguir uma consulta no SUS, especialistas em saúde pública apontam que o principal gargalo do atendimento especializado atualmente é a sucessão de filas que um paciente precisa enfrentar quando necessita de um tratamento. A depender da patologia, esse processo pode levar anos, colocando em risco a vida do paciente.
Os dados mostram que, em casos de cirurgia oncológica, o tempo médio de espera de um paciente pode chegar a 188 dias, ou seja, mais de seis meses. O prazo descumpre o estabelecido em uma lei federal aprovada em 2012, que dá 60 dias para que pacientes diagnosticados com câncer tenham o tratamento iniciado. A legislação prevê penalidades administrativas a gestores responsáveis pela demora.
Ex-diretora do Ministério da Saúde e professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília, Carla Pintas Marques defende uma mudança no sistema atual adotado no SUS para que o paciente entre em uma linha de cuidado, sem a necessidade de idas e vindas em filas.
“O tratamento de câncer tem que ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico, mas, antes disso, é preciso saber o tipo de tratamento, onde vai ser feito. E aí o paciente entra tudo de novo na (fila de) regulação. Fica 80 dias para conseguir uma consulta e depois entra na regulação novamente para exames e para consultas especializadas”, diz Carla.
Para o secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Jurandi Frutuoso, o tempo médio para o atendimento especializado no SUS ainda é reflexo de um represamento ocorrido na pandemia, quando cirurgias eletivas, por exemplo, foram suspensas para abrir leitos a pacientes de covid.
“Havia também represamento de pacientes que não tinham diagnóstico e não iam aos ambulatórios por causa da pandemia”, disse ele. “Com o aumento de diagnósticos pós-pandemia, houve também um aumento de indicação de cirurgias, por isso a fila se mantém no patamar elevado.” (O Globo)