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Por Redação O Sul | 21 de julho de 2020
A obrigatoriedade do uso de máscara tem sido motivo de constantes episódios de violência durante a pandemia de Covid-19. Reações hostis a pedidos de fiscais foram parar nas redes sociais e viraram casos de polícia. Vídeos mostram casos de humilhação, como o caso do desembargador Eduardo Siqueira, que chamou o guarda municipal Cícero Hilário de analfabeto, rasgou o documento de autuação e ainda proferiu a expressão “Você sabe com quem está falando?”, consagrada pelo antropólogo Roberto Da Matta no livro “Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro”, lançado há 41 anos.
Aos 84 anos, Da Matta revela que ainda fica estupefato ao ver os acontecimentos recentes e avalia que “o brasileiro acha que obedecer é sinônimo de inferioridade”. “É uma reação violenta ao elemento básico da democracia, que é a igualdade. Para o brasileiro, quem manda dá ordens. Obedecer é sinal de inferioridade. Isso ficou bem claro, por exemplo, no caso do desembargador de São Paulo. Ele se recusou a acatar a ordem do guarda municipal, que ele julga ser inferior”, analisa o antropólogo.
Professor titular do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, Roberto Da Matta acredita que temos poucas chances de reverter esse pensamento de uma parte da sociedade. Discutir esses episódios, no entanto, pode ser um caminho: “Mostrar esses casos e abrir uma discussão sobre o que leva pessoas, como o desembargador e o casal Leonardo Barros e Nívea Del Maestro, do Rio de Janeiro, a perguntar ‘sabe com quem está falando?‘ é muito necessário. É preciso expor esse tipo de pensamento e fazer com que todos reflitam sobre isso.”
O casal citado por Da Matta protagonizou outro episódio em que o uso da máscara foi rechaçado de maneira violenta. Na Barra da Tijuca, o superintendente de Educação e Projetos da Vigilância Sanitária Flávio Augusto Soares Graça foi atacado verbalmente quando fazia a fiscalização para evitar aglomerações e desrespeito à obrigatoriedade do uso de máscara. Ao chamar o homem de “cidadão”, Flávio ouviu a seguinte frase da mulher: “Cidadão, não. Engenheiro civil formado e melhor que você”. A mulher, uma engenheira, perdeu o emprego após o ocorrido. A prefeitura, no entanto, desistiu de multar os dois.
Considerada fundamental para evitar a contaminação pelo coronavírus, a máscara tem uso obrigatório nos transportes coletivos na maioria das cidades do país. Mesmo assim, motoristas de ônibus têm sido vítimas de violência ao cobrar o cumprimento da regra.
Um condutor de Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi agredido a socos por um passageiro e ficou com o rosto bastante machucado. Em um outro caso, uma pedra foi jogada no vidro de um ônibus na capital mineira por uma pessoa que se negou a usar a proteção no rosto. Os dois casos ocorreram em maio.
A falta de empatia em tempos de pandemia de coronavírus tornou-se muito evidente, segundo Cristina Ayoub Riche, professora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ. “No Brasil, tem gente que acredita estar acima da lei e não tem compromisso com o bem comum. Temos relações simpáticas, com quem está próximo, mas falta empatia. Isso implica abrir mão do individual para o bem de todos. Esse momento de pandemia deveria servir para mostrar que sem cooperação, sem relação amorosa, sem compaixão e sem empatia não haverá solução para a espécie humana”, analisa Riche.
A professora tem se dedicado à questão da empatia e ressalta que não se trata apenas de uma habilidade comunicacional. É algo fundamental para uma solução que depende de cada um e de todos ao mesmo tempo.
A dificuldade em lidar com o coletivo também é citada pela antropóloga Ilana Strozenberg, professora da UFRJ: “A ideia de cidadania é complicada no Brasil. Na história, as leis nunca foram iguais para todos. Existe uma dificuldade de lidar com o coletivo, se ele for igualitário. A nossa sociedade está arraigada num comportamento pautado pela desigualdade. Para o brasileiro, uma marca de status é justamente não ser obrigado a respeitar as regras.”
Em mais um episódio violento, dois guardas civis municipais foram espancados por cerca de dez pessoas na última sexta-feira, ao tentar desfazer uma aglomeração em um baile funk no Centro Cívico, em Mogi das Cruzes, São Paulo. Quando os policiais chegaram, um dos carros foi interceptado pelos jovens. Os guardas contaram que, primeiro, eles quebraram o vidro traseiro com pedradas.
Depois, tiraram os dois guardas do veículo – uma mulher de 42 anos e um homem de 56 anos – e passaram a espancá-los com socos, chutes e mais pedradas. Um guarda civil ficou desacordado no chão. No caso de Mogi, a sessão de espancamento foi gravada pelos próprios agressores. As informações são do jornal O Globo.