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Escalada de fraudes no sistema bancário preocupa a Justiça

Banco do Brasil e Caixa anunciaram mudanças em crédito consignado. (Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)

O aumento significativo de casos envolvendo fraudes bancárias tem preocupado a Justiça. Uma das principais preocupações é com os empréstimos consignados.

Em 2019, informou o desembargador Roberto Mac Cracken, havia na base do Tribunal de Justiça de São Paulo 2,2 mil processos em segunda instância referentes a fraudes em consignados. Em 2021, passaram para seis mil, volume quase três vezes maior. Ele, no entanto, disse acreditar que esse número já esteja superado em 2022. “Temos recebido por volta de um terço da distribuição em que a fraude é perpetrada só em consignados, em desfavor de aposentados e pensionistas. É uma situação muito grave”.

Guilherme Farid, diretor-executivo do Procon, informou que, até o momento, as reclamações contra os consignados  já ultrapassaram o número de 2,5 mil reclamações, o que dá 13 por dia. “O consumidor tem de ter a plena consciência do que ele está contratando e a instituição tem de ser muito clara sobre essa contratação. Quem está fazendo essa checagem nas instituições?”, ressaltou.

Farid relatou ainda que a atuação da Febraban tem sido incipiente no diálogo sobre o assunto, e que a punição a correspondentes financeiros inescrupulosos demora muito a acontecer. “Esse profissional deveria ser expurgado logo na primeira falha”.

Diretor do diretor jurídico do banco BTG Pactual, Bruno Duque contou ser comum que, em casos de consignados, o consumidor não vá à audiência ou que, quando vai, não sabe do que se trata, indicando litigância predatória. Sobre o certificado digital, comentou que há casos de parentes que pedem crédito pelo idoso, não se podendo generalizar todos os casos e imputando tudo aos bancos.

“Se alguém pega seu celular e paga descuidadosamente uma conta, eu, instituição financeira, vou ter que arcar com a leniência dessa pessoa? A pessoa deve responder pelos seus atos. O sistema financeiro é estável. Voltar à era do pré-pix é o que queremos?”.

Ações

De acordo com dados do Tribunal de Justiça, as ações de consumidor contra os bancos foram o tema mais julgado na Seção de Direito Privado em 2021, com quase 70 mil julgados.

As ações de cobrança bancária, ou seja, quando o banco é que ajuíza a ação, foram o quinto tema mais julgado, com quase 25 mil casos. De janeiro a maio deste ano, as ações promovidas pelo consumidor contra bancos já estavam em 33 mil, e a dos bancos contra os consumidores, em 11,5 mil.

“Hoje um estelionato em consignado praticado contra um vulnerável tem pena mínima de cinco anos e três meses”, disse Richard Gantus Encinas, promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo e membro do CyberGaeco.

Ele disse ainda que, apesar disso, existe muita dificuldade de impedir as fraudes, que passaram a acontecer muito por conta dos contratos digitais. “Os bancos hoje praticamente não fazem mais atendimento físico, tudo é por telefone e por robôs. Hackers encontram brechas nesses sistemas para enganar sobretudo os vulneráveis”.

Outro agravante, segundo o promotor, é que bancos terceirizam seus serviços de contratação, dando a pessoas desconhecidas acesso a informações privilegiadas. Além disso, ele cita o fato de que a dark web já negocia os dados de 220 milhões de brasileiros, inclusive previdenciários.

“Precisamos criar mecanismo legislativo que permita às autoridades policiais e administrativas realizarem com agilidade ao menos o bloqueio da conta. No mundo físico, manda na casa do sujeito e prende em flagrante. No mundo cibernético, não temos essa possibilidade. Por mais ágil que seja o Judiciário, a polícia demora três dias para instaurar investigação, montar pedido cautelar, abrir vista ao MP, sair uma ordem judicial expedindo o mandado de busca. Até que isso ocorra, o dinheiro já foi pulverizado em outras 50 contas”, relatou Encinas.

Tipos de fraude

O defensor público paulista Rodrigo Gruppi contou que existem basicamente três formas de fraude. A primeira é mais sofisticada, e ocorre quando um hacker invade o sistema bancário, ato que está fora da atuação da Defensoria. A segunda é quando a vítima é enganada e acaba colaborando culposamente para que haja a fraude. “E aí travamos no Judiciário a discussão: os bancos podem se negar a ressarcir nesses casos? Até onde essa responsabilidade deve ir?”, disse. E o terceiro modelo é o furto de celular desbloqueado.

Ele também chamou atenção para a questão da validade dos contratos eletrônicos. “Esses contratos são feitos com muita facilidade. Essa manifestação de vontade não tem nenhum vício de consentimento, nenhum defeito, nenhuma lesão que o torna inválido? O banco não tem de demonstrar que esse contrato é válido? Sendo assim, não posso pedir a anulação e ser ressarcido por uma cobrança indevida?”.

 

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