Pelo menos sete militares tiveram protagonismo nas ações do governo Jair Bolsonaro para entrar ilegalmente com as joias da Arábia Saudita no Brasil ou parar tentar reaver os itens apreendidos. Do primeiro-sargento que pegou um avião da FAB e desembarcou em Guarulhos para retirar os diamantes até o almirante que escondeu que carregava o segundo pacote nas malas, as digitais da caserna estão em vários episódios do escândalo e constrangem as Forças Armadas.
O caso tem início com o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Almirante de Esquadra da Marinha, ele representava o presidente Jair Bolsonaro na comitiva que, em outubro de 2021, esteve em Riade, na Arábia Saudita, e recebeu os presentes que seriam entregues, como ele próprio declarou, ao presidente e à primeira-dama.
Com Albuquerque, estava Marcos André dos Santos Soeiro. Tenente da Marinha, Soeiro era o assessor naquela comitiva e foi quem teve as joias apreendidas em Guarulhos, pela Receita Federal, ao tentar entrar no irregularmente no País sem declarar bens à fiscalização.
Naquele dia 26 de outubro, quando foi abordada pelos auditores, a comitiva do presidente foi informada sobre os trâmites para entrarem com presentes oficiais para a Presidência da República, mas não optarem por esse caminho. Além disso, não informaram que, em outra mala, havia uma segunda caixa de presentes – com itens como relógio e caneta de ouro – e que esta tinha passado pela alfândega irregularmente e sem declaração.
A partir da apreensão, um novo bloco de militares seria acionado por Bolsonaro e passaria a atuar no caso, na tentativa de retirar as joias que eram destinadas a Michelle Bolsonaro. José Roberto Bueno Junior, contra-almirante da Marinha, foi chefe de gabinete de Bento Albuquerque e assinou ofícios da pasta tentando liberar as joias apreendidas em Guarulhos.
O caso chegaria a Julio Cesar Vieira Gomes, ex-oficial da Marinha do Brasil, e então secretário que comandava a Receita Federal. Ele chegou à chefia do órgão um mês depois de os itens serem apreendidos em Guarulhos. Próximo da família Bolsonaro, Gomes faria diversas incursões para tentar liberar os itens estimados em cerca de R$ 16,5 milhões.
Seus atos envolveriam, inclusive, diversas tentativas extraoficiais, como envio de mensagens por Whatsapp, e-mails e ligações telefônicas aos auditores da Receita. A pressão chegou a tal ponto que Gomes foi alvo de denúncia por parte desses fiscais junto à Corregedoria do Ministério da Fazenda.
Dentro do Palácio do Planalto, Bolsonaro acionou, ainda, uma série de militares que tentaram transformar as joias em itens de seu “acervo pessoal”, e não da Presidência da República. Coube ainda aos integrantes das Forças Armadas irem até a alfândega, em Guarulhos, fazer uma tentativa final de reaver os diamantes.
Mauro Cid, que é tenente-coronel do Exército, cumpriu a ordem de Bolsonaro e solicitou que as joias fossem cadastradas no sistema federal como “acervo privado”, mesmo sem ter colocado as mãos nos bens. Esse cadastramento seria feito pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica.
À frente da Ajudância de Ordens do Gabinete Pessoal do Presidente da República, Mauro Cid também teve apoio de Cleiton Henrique Holzschuk, segundo-tenente do Exército. Assessor de Mauro Cid, Holzschuk enviou ofício do departamento para pedir a liberação das joias para o presidente Bolsonaro.
A missão de Mauro Cid não ficaria apenas nisso. Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e braço-direito do ex-presidente, Cid também é quem enviou um emissário a Guarulhos em avião da Força Aérea Brasileira (FAB), no dia 29 de dezembro do ano passado, para tentar retirar as joias dos cofres da Receita.
Essa tarefa foi dada a Jairo Moreira da Silva. Primeiro-sargento da Marinha, Jairo tentaria, com documentos exibidos na tela do celular, convencer o auditor da Receita a liberar as joias. Na alfândega e de frente ao fiscal, em Guarulhos, ele conversaria ainda, por telefone, com Mauro Cid e o próprio chefe da Receita, Julio Cesar Veira Gomes, para dar uma cartada final. “Não pode ter nada do antigo pro próximo, tem que tirar tudo e levar”, disse Jairo. Nada teria êxito, dada a retidão dos auditores da Receita que atuaram no caso.
Dentro das Forças Armadas, o sentimento geral é de constrangimento, dado o grau de envolvimento dos militares com o caso. Questionado, o Ministério da Defesa, a Marinha e o Exército sobre o envolvimento dos militares e se alguma atitude será tomada a respeito do assunto. Por meio de nota, a Marinha declarou que “o assunto está sendo apurado fora do âmbito da Marinha do Brasil”. O Exército e o Ministério da Defesa não se posicionaram até a publicação desta reportagem.