O presidente da Argentina, Javier Milei, vem explorando nas redes sociais, ainda sua principal ferramenta de comunicação com seus seguidores, para tratar do escândalo por suposta violência doméstica que envolve o ex-presidente argentino Alberto Fernández e a ex-primeira-dama Fabiola Yáñez.
Nos últimos dias, o líder da ultradireita argentina defendeu publicamente o cancelamento da pensão concedida a ex-presidentes e também a suspensão da segurança que o peronista recebe por parte da Polícia Federal pelo cargo que ocupou. Nesta semana, a ex-primeira-dama prestou pela primeira vez depoimento no consulado argentino em Madri, onde mora, na Espanha, mais uma vez monopolizando a mídia nacional com o caso, que respinga em dirigentes peronistas e kirchneristas.
“Esse tipo de situação distrai a opinião pública de temas como a inflação, aumento da pobreza, falta de emprego. Em todo lugar, só se fala em Alberto e Fabiola”, afirma Ignácio Labaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA) e consultor.
No fim de semana passado, o ex-candidato presidencial Sergio Massa, derrotado por Milei, suspendeu um ato político na província de Buenos Aires sem dar explicações. Rumores indicaram que o motivo foi o escândalo, mais precisamente o temor de ter de se pronunciar sobre a situação de Fernández, com quem sempre teve uma relação tensa.
“O dano para o peronismo é real, porque vai atrasar o surgimento de novas lideranças ou o retorno das já conhecidas, hoje em baixa”, disse Labaqui.
Ainda que, diferentemente de Massa, a ex-vice presidente Cristina Kirchner não tenha demorado a se pronunciar, o fez tentando se descolar do escândalo envolvendo Fernández, que nega as acusações de violência física contra a ex-mulher. A relação de Cristina com o ex-presidente, sua escolha para a disputa presidencial de 2019, é ruim há anos e ficou ainda pior durante os quatro anos de mandato, nos quais praticamente não se falaram.
Nas redes sociais, a ex-vice condenou a violência de gênero e afirmou que “a misoginia, o machismo e a hipocrisia, pilares em que se baseia a violência verbal ou física contra as mulheres, não têm bandeira partidária e atravessam a sociedade em todos os seus níveis”.
“O kirchnerismo e o peronismo não perderão votos em sua base mais fiel, mas essa situação dificultará a recuperação de eleitores independentes”, aponta o analista Carlos Fara.
Essa dificuldade poderá trazer problemas para a frágil oposição a Milei na campanha para as legislativas de 2025. No ano que vem, os argentinos vão às urnas para renovar metade da Câmara e um terço do Senado, num pleito considerado fundamental para o governo, que hoje tem uma bancada minoritária em ambas as Casas. O objetivo de Milei é duplicar ou até mesmo triplicar o número de deputados de seu partido, A Liberdade Avança, e ampliar o espaço no Senado, em que atualmente é a terceira força. Com o peronismo e kirchnerismo fragilizados, o sucesso da campanha governista dependerá, principalmente, dos resultados econômicos.
O dano de um escândalo como o de Fernández entre peronistas e kirchneristas será maior, assegura Labaqui, “se Milei conseguir melhorar a situação econômica, sobretudo alcançar uma taxa de inflação similar a de países mais normais. Ter uma inflação de 2% mensal ainda é muita coisa”.