Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 9 de julho de 2023
Castigar crianças pode gerar sequelas emocionais que, ao longo do tempo, podem ser mais difíceis de manejar. Por isso, apesar da prática ser bastante utilizada em famílias e até em escolas, a linha entre o comportamento punitivo e a violência é tênue.
A psicóloga e doutora Débora Fava explica que é possível ensinar as crianças a melhorarem o comportamento sem que, para isso, sejam punidas. Ela é especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) na infância e adolescência, e orienta pais e professores sobe regulação emocional e manejo de comportamento infantil e adolescente.
Para Débora, o próprio termo “castigo” vem carregado de punitivismo e é pesado tanto por questões sociais quanto religiosas.
“Em linhas gerais, castigo nunca vai ajudar uma criança a desenvolver novos comportamentos, a desenvolver um comportamento bom”, diz.
A especialista em manejo de comportamento infantil diz que as crianças são perfeitamente capazes de entender que podem ter feito algo que não deveriam, mas que é preciso mostrar qual comportamento é aceitável. Só assim, a criança será capaz de mudar.
“O castigo não é indicado, mas existem punições, no termo técnico e científico da punição, que podem ser utilizadas de uma forma afetiva com a criança”, explica. “Dar o castigo para a criança é uma forma inefetiva de lidar com o problema, porque, na verdade, criar uma criança, ensinar habilidades, é muito difícil. E a gente precisa dar muitos passos para trás para conseguir fazer o que é importante para elas. Isso envolve a nossa própria regulação emocional”, completa.
Muitas vezes, os adultos mandam crianças para longe, como no caso da criança que ficou presa na jaula, para que eles possam regular as próprias emoções antes de lidar com a situação que causou o problema, o que não é o correto, segundo a psicóloga. O ideal é gerenciar a própria raiva e agir com a criança, e não tirá-la de perto.
Para lidar com o problema, é necessário entender o motivo por trás do comportamento desafiador da criança, e depois ensinar aos pequenos qual seria o comportamento adequado para a situação.
A longo prazo, uma criança que é frequentemente castigada pode desenvolver, além do sentimento de culpa e de raiva iniciais, uma inibição total do sentimento de culpa. Isso porque, caso a criança se acostume a sempre estar de castigo e ser punida, ela pode criar uma indiferença quanto às situações semelhantes e aos outros.
“Se a criança está apresentando comportamentos difíceis ao longo do ano, é porque é uma criança que está precisando muito de ajuda, muito afeto e carinho, e é isso que vai fazer com que ela mude. Então, se ela não recebe isso, e recebe punições de forma constante, ou passa por situações extremamente traumáticas, como essa da jaula, ela pode acabar desenvolvendo a habituação, que é: ‘Eu não me importo com as punições, eu não me importo com os outros, ninguém se importa comigo’, por exemplo”, diz Débora.
A principal forma de lidar com este problema é a empatia, aliado à consciência social e à habilidade de relacionamento com outras pessoas de forma respeitosa.
Limites e afeto
A psicóloga Débora Fava explica que dar limites, ter pulso firme e, ainda assim, dar muito afeto à criança, são essenciais no processo de educar. “Por exemplo, quando falamos pra uma criança: ‘Olha, isso que você fez não foi legal, eu fiquei muito chateada com essa atitude sua’ ou ‘Ter batido no teu colega não é um comportamento que a gente faz na nossa escola’, isso é algo desagradável pra criança, mas eu estou sendo afetiva com ela, eu estou notificando que aquele comportamento não é legal”, diz.
Esse tipo de conversa pode deixar a criança reflexiva, chateada ou culpada, mas é uma forma afetiva e cuidadosa de acessar o mau comportamento. Assim, a tendência é que ela não volte a cometer o mesmo erro.
“Isso ajuda a compreender o impacto da ação dela nos outros, na professora, na escola, nos amigos. Uma coisa é notificar, mostrar que aquilo não foi legal e instruir a criança. Agora, é preciso mostrar algo para que aquela criança possa desenvolver um comportamento adequado e habilidoso”, esclarece Débora Fava.
“Dar um limite comedido é funcional. Eu posso dizer pra criança: ‘Senta aqui um pouco, eu já falo contigo, eu não fiquei feliz com o que aconteceu’. Isso está ok, e depois sigo para uma conversa com o ensinamento das habilidades. Mas jogar uma criança em um canto e dizer ‘Fica aí, porque você fez tal coisa errada’, isso não vai adiantar nada, só vai criar coisas negativas”, complementa.
Caso uma criança passe por uma situação de castigo longe da família, os responsáveis devem tentar entender a situação para tomar uma atitude, conforme orienta a psicóloga. Saber as versões dos fatos e buscar uma solução para resolver o problema é o melhor caminho. Em casos semelhantes ao da criança que foi presa dentro da jaula, é importante fazer uma denúncia formal da situação, que qualifica maus tratos.
Já com a criança, a saída é ter uma conversa e explicar os limites do que pode ser feito com ela. Os pais devem explicar que a situação não é aceitável e que tomaram providências com a professora e a escola para que o caso não aconteça novamente, por exemplo. Outra boa solução é se prontificar a ouvir a criança e também o educador ou educadora, para ensinar a lidar com comportamentos difíceis.