Na avaliação de especialistas, houve conduta antiética e até mesmo criminosa por parte de profissionais da área da saúde que vazaram a informação de que a atriz Klara Castanho, 21 anos, optou em entregar para adoção um bebê gerado a partir de um estupro. O caso – que deveria ser mantido em sigilo garantido por lei – vinha sendo especulado até mesmo por sites de fofocas.
Klara então tomou uma segunda decisão difícil: neste fim de semana, ela divulgou carta aberta sobre o assunto. “Minha história se tornar pública não foi um desejo meu”, ressaltou no texto. Disse, ainda, que o médico a quem consultou após constatar que estava grávida não demonstrou empatia: “Ele me obrigou a ouvir o coração da criança e disse que 50% do DNA era meu e que seria obrigada a amá-lo”.
O obstetra Jefferson Drezett Ferreira, que chefiou por 25 anos o principal serviço de aborto legal do Brasil, no Hospital Pérola Byington, em São Paulo, reitera a avaliação de que não houve profissionalismo. Ele ressalta que há recomendação do Ministério da Saúde para que mulheres com gestação decorrente de violência sexual podem decidir se querem ter acesso a dados do exame de ultrassom:
“Se ela não quer ouvir, forçar uma situação é imputar a essa mulher um sofrimento emocional sem qualquer propósito. O profissional de saúde não tem esse direito”.
A atriz também relatou que, ainda sob efeitos da anestesia após o parto, foi abordada por uma enfermeira que ameaçou vazar a história para a imprensa. “Ela estava na sala de cirurgia, fez perguntas e ameaçou com coisas do tipo ‘imagina se tal colunista descobre’. Aí, quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista”.
O obstetra afirma que essa conduta da funcionária foi criminosa: “O sigilo é condição prevista pela Constituição. E a revelação de um sigilo, quando você está em função profissional, é um crime previsto pelo Código Penal, além de infração grave prevista pelos Códigos de Ética profissionais da enfermagem e da Medicina”.
Coordenadora de acesso à informação e transparência da ONG Artigo 19 e responsável pelo projeto “Mapa Aborto Legal”, Julia Rocha também considera criminosa a conduta: “Esse caso traz muitos elementos de como o sistema de saúde brasileiro não está preparado para realizar esse tipo de procedimento”.
Para ela, a atriz foi sujeita a constrangimentos antes e depois do parto que podem ser considerados como tortura psicológica: “Todas as condutas tomadas pelos profissionais de saúde a partir do acolhimento têm que ser de validar a experiência e as palavras da pessoa que está recorrendo ao serviço”.
Neste domingo (27), o Conselho Federal de Enfermagem (bem como o Regional paulista) e o hospital onde Klara Castanho ficou internada prometeram apurar a denúncia sobre o vazamento pela enfermeira.
Fofoqueiros da mídia
Na mensagem que compartilhou com o público, Klara conta que não queria expor esse episódio traumático. Mas sites e redes de fofocas colocaram holofotes sobre a história, como também especulações e ataques à atriz.
Tudo começou com um post do jornalista Matheus Baldi no dia 24 de maio, dizendo que Klara havia dado à luz uma criança. A mensagem foi apagada, a pedido da atriz. Um mês depois, a apresentadora Antonia Fontenelle incitou ainda mais os comentários contra Klara na internet. Sem citar nomes, ela contou o caso em uma live, sob tom bastante agressivo.
Foi depois disso que Klara decidiu se manifestar. Em seguida, o colunista Léo Dias, do site Metrópoles, publicou um texto detalhando o caso. Segundo especialistas, tanto Léo Dias como Antonia Fontenelle podem responder por difamação.
Em post publicado neste sábado (25), a diretora de redação do Metrópoles, Lilian Tahan, afirmou que o site expôs de maneira inaceitável os dados de uma mulher vítima de violência brutal e que a matéria foi retirada do ar. Na tarde deste domingo (26), o colunista publicou um pedido de desculpas à atriz. Antonia Fontenelle, por sua vez, “ofereceu ajuda” – mas se retratar.
Cultura machista
Para a advogada Érica Maia Arruda, mestre em políticas públicas, pesquisadora colaborada da UniRio, gestora pública da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e vice-presidente do Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente, a conduta dos profissionais de saúde com Klara revelam uma cultura machista e violenta:
“A gente consegue entender essas práticas como reflexo de uma cultura muito violenta que é a cultura do nosso país, uma cultura machista, uma cultura autoritária, que entende que a mulher não tem direito ao seu corpo. Essa cultura está institucionalizada entre os profissionais de saúde, que demonstram uma resistência à possibilidade do abortamento nos casos previstos na lei”.