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Por Redação O Sul | 19 de maio de 2020
Prioridade global diante dos 4,8 milhões de casos confirmados e mais de 316 mil mortes causadas pelo novo coronavírus, a corrida para o desenvolvimento de uma vacina está cada vez mais intensa. Depois que cientistas da Universidade de Oxford se mostraram otimistas na semana passada, a boa notícia veio dos Estados Unidos. A empresa de biotecnologia Moderna, em parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, anunciou testes preliminares positivos em ensaios clínicos que começaram em março. Faltam, no entanto, os testes em larga escala, que devem ser realizados em julho.
Os testes iniciais foram feito com 45 voluntários, que receberam dosagens diferentes da vacina. Essas pessoas saudáveis, sem contaminação do coronavírus, têm de 18 a 55 anos. Os primeiros resultados foram baseados na reação das oito primeiras pessoas que receberam, cada uma, duas doses da vacina, a partir de março. Os voluntários produziram anticorpos capazes de impedir a replicação do vírus. Esse é o principal requisito para uma vacina eficaz. Os níveis dos chamados “anticorpos neutralizantes” correspondiam aos encontrados em pacientes que se recuperaram após contrair o vírus na comunidade. A única reação adversa foram vermelhidão e uma sensação de dor muscular nos braços de um voluntário.
A empresa anunciou que deve realizar novos testes, a chamada fase 2, em julho e vai envolver 600 pessoas selecionadas aleatoriamente. Essa é uma etapa fundamental para a definição da eficácia da vacina. A Food and Drug Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa no Brasil, já autorizou a essa segunda fase. Caso os novos testes também sejam bem-sucedidos, Zaks afirma que uma vacina poderá ficar disponível para uso generalizado até o fim deste ano ou no início de 2021. “A fase provisória 1, embora em estágio inicial, demonstra que a vacinação com o mRNA-1273 produz uma resposta imune da mesma magnitude que a provocada por infecção natural”, disse Tal Zaks, diretor médico da Moderna, em comunicado.
Embora sejam animadores, os resultados não significam que a vacina funcione. Somente estudos maiores, de maior duração, poderão determinar se a imunização pode impedir a doença. Especialistas brasileiros reafirmam a necessidade de novos testes. “Os dados sugerem que duas das três doses testadas foram seguras e suficientes para o desenvolvimento adequado de resposta imunológica. Agora a vacina precisa passar por estudos maiores, de fases II e III, para se avaliar melhor seu perfil de eficácia e segurança”, explica Márcio Bittencourt, mestre em Saúde Pública e médico do Hospital Universitário da USP. “Os sinais iniciais são positivos, mas a aprovação só irá ocorrer após a adequada avaliação nas outras etapas. Devido à urgência, essas etapas podem acontecer de forma acelerada, mas não podem ser puladas, o que traria riscos”, completa.
“O estudo é promissor, mas é muito preliminar. Eles reconhecem isso. Ainda não se sabe o quanto de anticorpo é necessário para conferir proteção. Acho que teremos uma ou duas vacinas até o final do ano. O problema é realizar os testes em um número grande de pessoas e ver sua proteção e eficácia”, opina Eduardo Flores, virologista da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Outro virologista, Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, explica que, além de gerar anticorpos, uma vacina tem de oferecer proteção integral. “A vacina em humanos foi demonstrada como capaz de gerar anticorpos. Mas ainda é necessário que se demonstre que ela é protetora. A proteção nem sempre tem relação direta com a presença de anticorpos ou de apenas anticorpos contra uma proteína viral. A proteção contra coronavírus envolve outras proteínas”, explica.
Dezenas de outras empresas e universidades também estão na corrida para criar vacinas. Também fazem testes em seres humanos a Pfizer e sua parceira alemã BioNTECh, a chinesa CanSino e a Universidade de Oxford, que trabalha com a farmacêutica AstraZeneca.
Ainda não há tratamento ou remédio comprovado contra o coronavírus no momento. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que aguarda a descoberta de uma vacina até o final do ano. Os Estados Unidos investiram US$ 500 milhões nos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos em busca de uma vacina.
Nova estratégia
Em geral, as vacinas usam uma versão “mais fraca” do vírus para desencadear a resposta imunológica do corpo. A urgência para o combate à covid-19, no entanto, estimula o desenvolvimento de novas tecnologias. Empresas nos Estados Unidos, Europa e China utilizam os mais variados métodos. A estratégia do laboratório americano envolve um segmento de material genético do vírus chamado RNA mensageiro ou mRNA. O RNA (ácido ribonucleico ou uma espécie de “parente” do DNA) também aparece em células humanas saudáveis, mas, em muitos vírus, como o HIV ou o novo coronavírus.
Quando um vírus infecta uma célula, ele consegue se multiplicar com base no material genético da própria célula. A grosso modo, o RNA mensageiro “viaja” pela célula levando as informações necessárias para ajudar nesta replicação. Com o material de uma célula humana, por exemplo, o vírus consegue se reproduzir e infectar mais células.
As pesquisas tentam modificar o RNA mensageiro e fazê-lo “comandar” a célula para produzir outras substâncias, mais benéficas para a resposta do corpo ao vírus. O RNA mensageiro modificado atua sobretudo na produção dos chamados antígenos, as proteínas que fazem o corpo começar a produzir anticorpos que vão combater os vírus. O nome da empresa, até familiar para a língua portuguesa, vem de “ModeRNA”, referência ao RNA.