A Nasa elegeu como “foto astronômica do dia”, em 22 de outubro, esta imagem da Via Láctea capturada por Jheison Huerta no Salar de Uyuni, na Bolívia, cuja extensão plana de 130 km pode se tornar um espelho gigantesco durante temporadas úmidas.
“Quando vi a foto, senti uma emoção muito grande”, disse o fotógrafo. “A primeira coisa que veio à mente foi a conexão entre o homem e o universo. Somos todos filhos das estrelas.”
Em entrevista, o fotógrafo falou sobre sua foto, o boom da astrofotografia na América Latina e por que antes de capturar uma imagem “devemos pedir ajuda à natureza”.
Leia os principais trechos da entrevista:
1- Como define a foto que foi selecionada pela Nasa?
É uma astrofotografia de paisagem, também chamada de campo amplo, que é um dos ramos que compõem a astrofotografia. Muitos pensam que a astrofotografia tem a ver com telescópios, mas nosso ramo é o principal responsável por fazer registros envolvendo tanto a paisagem terrestre quanto os corpos celestes presentes no céu.
2 – Por que levou três anos para tirar a foto no salar de Uyuni?
Estive pela primeira vez no salar de Uyuni em 2016 e tinha em mente fazer uma panorâmica em que não apenas o braço da Via Láctea pudesse ser visto, mas também seu reflexo. O salar de Uyuni fica a 3.600 metros acima do nível do mar e é um deserto de sal. Após a estação chuvosa, forma-se uma camada de água na qual é possível ver o reflexo não apenas das nuvens durante o dia, mas também das estrelas à noite.
Na primeira tentativa de fazer a foto, fiquei muito frustrado, porque pensei que havia capturado uma super foto, mas quando cheguei em casa e analisei a foto, vi que meu equipamento não tinha a capacidade de obter uma imagem limpa e clara.
3 – Por que você viaja para o salar de Uyuni em março ou abril?
Porque de dezembro a fevereiro é a estação das chuvas lá, e muita água se acumula. E eu não viajei antes porque teríamos muitas nuvens que impediriam a visualização. Então, eu vou assim que a estação das chuvas termina.
4 – A Nasa destacou que, para conseguir a foto, foi necessário capturar 15 quadros verticais. Explique.
À minha câmera, adiciono um braço mecânico chamado de cabeça panorâmica. Primeiro tirei a foto do céu. Tirei sete fotografias para cobrir todo o ângulo da Via Láctea, uma fileira de sete imagens verticais do céu. Então inclinei a câmera em direção ao chão para tirar mais sete fotografias do reflexo, o que deu 14 imagens. E, por último, retornei ao ângulo da câmera para o meio da Via Láctea, corri cerca de 15 metros e, com um controle remoto sem fio, apertei o botão à distância.
5 – Você disse que a foto tem uma selfie no meio da imagem?
Muitos me perguntam: “Como você fez isso?” Primeiro, andei cerca de trinta passos para longe da câmera. E tenho que esperar cinco minutos sem me mexer, porque no momento em que você corre sobre a água gera movimentos e pequenas ondas que não permitiriam o reflexo perfeito das estrelas. Uma vez parado, com o controle remoto ativado para que o disparador automático da câmera disparasse após 10 segundos, acendo a lanterna, me ilumino e tiro cerca de 30 fotos para ter certeza de não ficar fora de foco.
6 – Você estudou administração e comércio. Quando nasceu sua paixão pela astrofotografia?
Viajei para a Itália com minha família aos 13 anos e, depois de 12 anos, retornei ao Peru. Foi aí que descobri a fotografia de paisagem. Eu moro em Huaraz, uma cidade nos Andes peruanos, no pé da montanha mais alta do país, Huascarán. Em uma caminhada durante a noite, deixei minha barraca e vi esse show da Via Láctea a 5000 metros acima do nível do mar, com grandes estrelas. Foi espetacular. Tentei aprender todas as técnicas possíveis, pela internet, de fotógrafos da América do Norte e Nova Zelândia. Todo o processo de aprendizagem foi autodidata.
7 – Quão popular é a astrofotografia hoje na América Latina?
O tema da astrofotografia está atualmente em expansão em toda a América Latina. Existem grupos na Argentina, no Uruguai, e uma corrente muito forte está sendo gerada. Isso acontece porque no hemisfério sul podemos aproveitar um céu espetacular que os do norte não vêem. No sul, a Via Láctea pode ser vista em toda a sua beleza, porque atravessa o céu de sudeste a oeste. Parece um arco-íris de estrelas. Somente no hemisfério sul podemos vê-la dessa maneira.
8 – E a foto escolhida pela Nasa, em particular, o que ela transmite para você?
Quando o programa me deu a imagem completa, foi uma emoção muito grande. A primeira coisa que veio à mente foi a conexão entre o homem e o universo. Na verdade, todos nós temos material estelar por dentro, somos filhos das estrelas.