Quarta-feira, 04 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 3 de dezembro de 2024
As consequências da crise política instaurada na França desde que o presidente Emmanuel Macron convocou novas eleições, em junho, podem chegar ao seu ponto máximo dentro das próximas semanas, quando o prazo para a votação do Orçamento de 2025 chegará ao fim.
Com o desafio de aprovar ajustes agressivos em um Parlamento profundamente polarizado, o primeiro-ministro Michel Barnier recebeu um ultimato da líder da extrema direita francesa, Marine Le Pen, para que as exigências do seu partido, o Reagrupamento Nacional (RN), sejam incluídas no texto.
Caso contrário, a sigla ameaçou votar a favor de uma moção de censura para derrubar o governo. Embora nenhuma legenda detenha maioria na Casa, a união dos votos da esquerda e da extrema direita seria suficiente para tirar o premier do poder.
Na semana passada, Barnier anunciou, em entrevista ao jornal Le Figaro, três mudanças na proposta original, numa tentativa de acalmar os ânimos da extrema direita. Primeiro, renunciou ao aumento de impostos sobre eletricidade, que renderiam 3 bilhões de euros no próximo ano.
Segundo, se comprometeu a reduzir os gastos do Estado com auxílio médico para imigrantes irregulares. Por fim, prometeu apresentar um projeto de lei no próximo ano que propõe um sistema de votação proporcional nas eleições legislativas, como ocorre no Brasil. Hoje, a França adota um sistema de votação em dois turnos para o Congresso.
Os acenos, no entanto, não foram suficientes para Le Pen, que numa entrevista na última sexta-feira (29) deu um ultimato para que a seção referente à Seguridade Social do Orçamento seja votada até segunda. O partido exige ainda a retirada de propostas como a redução dos reembolsos de medicamentos, a indexação de aposentadorias e pensões pela inflação e a adoção de medidas mais duras contra a imigração e a criminalidade.
“Na sua forma atual, o orçamento de Barnier precipitará a crise financeira”, alertou Le Pen.
“Tempestade econômica”
Até o momento, quase 10 bilhões de euros foram concedidos durante as negociações do Orçamento, cuja proposta inicial projetava 60 bilhões em cortes. As discussões ocorrem no momento em que a França tenta reduzir o seu déficit público de 6% para 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2025.
Sem uma política de austeridade, analistas preveem um déficit de até 7% do PIB no ano que vem — mais que o dobro do limite de 3% estabelecido pela União Europeia (UE). No final de junho, a dívida pública do país, que é a segunda maior economia do bloco europeu, estava em torno de 112% do seu PIB, cerca de 3,2 trilhões de euros.
A agência de classificação de risco S&P manteve a nota AA- para a França, dando um voto de confiança aos esforços do país para evitar uma moção que provocaria uma “tempestade econômica”, segundo a instituição. Em maio, a agência rebaixou a nota de classificação de risco do país, antes AA+. O ministro da Economia francês, Antoine Armand, disse, em um comentário enviado à imprensa, que a manutenção da nota mostra a confiança “acordada no governo”.
“Apesar da incerteza política, esperamos que a França se atenha, com um prazo, ao marco orçamentário europeu e consolide progressivamente suas finanças públicas”, disse agência em comunicado.
Impasse
A esquerda anunciou que vetará a parte financeira do Orçamento, alegando não ter sido consultada durante as negociações. Diante da falta de consenso, Barnier poderia usar de um dispositivo constitucional controverso para aprovar a medida sem passar pela Assembleia Nacional, o mesmo usado por Macron para impor a sua impopular reforma da Previdência em 2023 — medida que minou seu capital político e custou a cabeça da sua então primeira-ministra, Élisabeth Borne.
Nas eleições legislativas de julho, a coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) — formada por socialistas, comunistas, verdes e a esquerda radical, A França Insubmissa (LFI) — conquistou o maior número de assentos no pleito, mas longe do necessário para ter a maioria. O centro macronista terminou em segundo, após se unir à esquerda em nome de um voto útil no segundo turno, formando um “cordão sanitário” contra a extrema direita, que liderava as pesquisas.
Pela tradição política francesa, a NFP deveria ao menos ter tido a oportunidade de formar um governo, mas Macron, responsável por indicar o primeiro-ministro, escolheu Michel Barnier para o cargo — seu partido, Os Republicanos (LR), ficou em quarto na eleição, obtendo apenas 47 cadeiras. A manobra levou milhares de franceses às ruas e foi considerada por críticos como um ato anti-democrático.
A indicação de Barnier também acirrou a crise institucional na França. A esquerda, que ficou de fora do Gabinete, se opõe a quase todas as propostas do governo e apresentou uma moção de censura para derrubá-lo, carecendo do apoio de outros grupos para obter o restante dos votos necessários. Ao escolher um premier da minoria do Parlamento, Macron acabou jogando o governo nas mãos da terceira maior força da Casa — a extrema direita — , que se tornou o voto de minerva e agora ameaça se juntar à esquerda caso suas pautas não sejam contempladas no Orçamento.