Quatorze décadas depois de um decreto imperial, o Exército deu início neste semestre a uma perícia que vai definir qual a divisa entre os estados do Piauí e o Ceará. O levantamento foi pedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após ação de contestação do lado piauiense a uma “invasão” cearense a terras sem definição de mapa.
A área de litígio não tem muitos moradores nem boa infraestrutura, mas possui algo que enche os olhos de qualquer estado: jazidas de minérios como ouro, diamante e manganês. Além disso, as terras produzem energia eólica e solar e são polo de produção hortifrutigranjeira.
A alegação do Piauí tem como base a publicação do Decreto Imperial 2012, de 22 de outubro de 1880, que alterou a linha divisória das então duas províncias. Em 1920, o presidente Epitácio Pessoa chegou a mediar um acordo entre os dois estados, para que “engenheiros de confiança” fizessem um levantamento geográfico na região. Mas a perícia nunca ocorreu.
As três áreas em litígio somam 2.874 km², área equivalente a mais da metade do Distrito Federal ou a mais de duas vezes o município de São Paulo, por exemplo. Elas começam ainda no litoral e rasgam o semiárido no sentido sul.
A divisão incerta veio por decreto do imperador dom Pedro II, em 1880, que alterou a linha divisória. A então província Piauí “ganhou” uma saída para o mar, anexando o território de Amarração, hoje Luiz Correia. Em troca, o Ceará ficou com as terras que abrangem Crateús. O problema principal está na definição dos marcos divisórios na serra da Ibiapaba.
O original do decreto diz que serve “de linha divisória das duas províncias a Serra Grande ou da Ibiapaba, sem outra interrupção além da do Rio Puty, no ponto do Boqueirão” (o rio se chama Poty, mas o documento traz o nome errado). Diz o texto que o Piauí fica com “todas as vertentes ocidentais da serra” e o Ceará, com as orientais.
Para justificar os problemas na definição, o Piauí alega questões anteriores ao decreto e que foram achadas recentemente, como as cartas donatárias de 1535, sumidas até 1997, e um mapa do estado de 1760, achado em 2002, que apontaria a divisa de forma mais clara. O Piauí alega que o ponto da divisa nunca ficou claro.
Caso a mudança ocorra, muitos municípios terão partes desmembradas. O caso mais emblemático é o de Poranga (CE), que cederia 66% de suas terras para o lado do Piauí.
Em maio, sem chegar a um acordo entre os estados, a relatora do processo, ministra Cármen Lúcia, determinou que o Exército desse início à perícia, que custará R$ 6,9 milhões. O valor deveria ser dividido entre os dois estados, mas o governo do Ceará se negou a pagar, e o valor foi integralmente pago pelos piauienses. O estudo deve ficar pronto apenas em 2020, ainda sem prazo para acontecer.