Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 22 de dezembro de 2024
Nesta semana, os Estados Unidos registraram o primeiro caso grave de gripe aviária H5N1 em humanos, o que acendeu o alerta sobre um vírus que tem se expandido e provocado um surto sem precedentes entre vacas leiteiras e trabalhadores rurais no país. A origem provável da contaminação do paciente, que está hospitalizado, foi o contato com aves doentes. Com ele, já são 61 pessoas infectadas desde abril pela exposição a animais.
Considerado o atual epicentro do H5N1, os EUA registraram 10,8 mil aves selvagens infectadas e 123 milhões de aves para criação, em granjas de 50 estados. Entre as vacas leiteiras, após o registro inédito da doença na espécie, em março, já são 865 rebanhos afetados em 16 estados americanos.
O cenário levou Gavin Newsom, governador da Califórnia, que concentra mais da metade dos casos em humanos, a decretar estado de emergência na quarta-feira. Ele afirmou que objetivo é “garantir que as agências governamentais tenham os recursos e a flexibilidade necessários para responder rapidamente a esse surto”, embora tenha ponderado que o risco para a população geral “permanece baixo”.
“Essa dispersão no gado leiteiro e a magnitude com que o vírus tem se disseminado em mamíferos são indicativos de que poderemos ter problemas. Só a dimensão do surto em aves no início já apontava para uma situação de um grau elevado de cuidado. Esse decreto de emergência na Califórnia tem respaldo na preocupação que muitos temos em como essa situação vai se desenvolver”, avalia Fernando Spilki, virologista da Universidade Feevale e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vigilância Genômica de Vírus.
Helena Lage, professora da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, diz que além do risco direto para os trabalhadores rurais há o fato de o vírus ter sido encontrado no leite produzido pelas vacas. A pasteurização inativa os vírus, porém alguns locais comercializam leite cru, que já chegou a ser recolhido devido à identificação do H5N1.
“Isso é uma exposição a mais que favorece a possibilidade de adaptação do vírus a humanos. E já temos casos nos EUA de pessoas infectadas cuja fonte da infecção é desconhecida. Elas foram identificadas pelo sistema de vigilância nacional, que observou que elas apresentavam sintomas clínicos. Isso nos causa uma preocupação porque não sabemos como elas se infectaram e nos dá a percepção de que já há um espalhamento muito grande do vírus ocorrendo no país”, diz a especialista.
A gripe aviária diz respeito a um conjunto de cepas do Influenza que circula principalmente entre aves. A cepa H5N1 surgiu ainda em 1996, com os primeiros surtos em animais e humanos no ano seguinte. Desde 2021, no entanto, novas mutações têm levado o H5N1 a se expandir entre aves e de forma inédita entre espécies de mamíferos, como leões-marinhos e vacas, além de para novas regiões do planeta. No Brasil, por exemplo, foi identificado pela primeira vez em aves silvestres no ano passado.
Embora os casos humanos esporádicos aconteçam há um tempo, não há registro de disseminação entre pessoas – o que é o grande temor dos especialistas porque elevaria consideravelmente o risco de uma nova pandemia, explica Rosana Richtmann, médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo:
“Nós não temos muitos receptores para o H5N1, diferente do que acontece para os outros vírus Influenza que conhecemos. Porém, quanto mais esse vírus circula em mamíferos, mais ele pode passar por novas mutações e se adaptar para poder causar infecções em humanos e começar a causar surtos com transmissão entre humanos.”
Um estudo liderado por cientistas da Scripps Research e publicado na revista científica Science no início do mês identificou que uma única mutação na versão do vírus que circula atualmente entre as vacas leiteiras já seria suficiente para aumentar a capacidade do H5N1 de se ligar a células humanas.
“Olhando para os últimos anos, vemos um caminho claro na direção do vírus se adaptar para humanos. Quanto tempo isso vai levar não sabemos, mas analisando o seu comportamento vemos que as chances são altas. Acredito ser uma questão de tempo. E o vírus já conseguiu evoluir para infectar toda essa gama de espécies que não infectava antes. E quanto mais hospedeiros em contato com os seres humanos, são mais oportunidades de contaminação”, diz Salmo Raskin, doutor em Genética pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) diretor do laboratório Genetika, em Curitiba.
Ele conta que um caso recente de gripe aviária grave num adolescente no Canadá foi causado por uma versão do H5N1 em que se observou uma mutação que, embora não seja exatamente a citada no artigo da Science, ocorreu na mesma região do código genético.