Na última semana, um incêndio na central nuclear ucraniana de Zaporíjia, durante combates entre forças ucranianas e russas, elevou os níveis de alerta para o risco de um acidente nuclear. Na guerra, que já dura mais de uma semana, já foram registrados outros conflitos próximos a instalações nucleares.
Um passo em falso poderia ter os mesmos efeitos que o acidente nuclear em Fukushima, em 2011, quando um terremoto seguido de um tsunami causou o derretimento de três reatores — o pior desastre nuclear desde a tragédia de Chernobyl, em 1986. É o que explica o cientista político Joe Cirincione, especialista em não proliferação nuclear e analista de segurança nacional ligado ao centro de estudos Instituto Quincy.
Ele já foi presidente de uma fundação voltada para a não proliferação nuclear e resolução de conflitos e também trabalhou na assessoria da Comissão de Serviços Armados e da Comissão de Operações Governamentais da Câmara de Deputados dos Estados Unidos. Foi conselheiro das campanhas presidenciais de Barack Obama, Bernie Sanders e Elizabeth Warren.
Cirincione adverte que os confrontos podem levar a consequências sem precedentes caso as partes envolvidas na guerra decidam usar seu arsenal nuclear.
1) Quais são os riscos de um acidente nuclear na guerra na Ucrânia?
Há muitos riscos. O primeiro e mais imediato é o risco de algo catastrófico acontecer em um dos reatores nucleares que os russos estão tomando agora. O perigo é que, ao tentar tomar as usinas, os russos danifiquem as estruturas de contenção ao redor dos reatores, ou a eletricidade que os alimenta ou o encanamento que os resfria.
Basicamente, se a eletricidade for cortada, isso significa que não será mais possível bombear a água para o reator para resfriar as barras de combustível. As barras de combustível, então, superaqueceriam e você teria um colapso do corpo nuclear como vimos em Fukushima. Fukushima é o cenário mais provável do que poderia dar errado com esses reatores ucranianos.
Há também a questão dos danos estruturais. Por algum motivo, funcionários do Departamento de Energia dos EUA estão minimizando os riscos. A secretária de Energia Jennifer Granholm postou um tuíte falando que os reatores foram desligados e que há estruturas de contenção robustas que estavam intactas. Mas isso está errado. Basta ver o que diz o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Mariano Grossi. Ele está extremamente preocupado com o grave risco do que chamou de um incidente catastrófico nessas usinas.
Soubemos depois, por uma reportagem do New York Times, que uma das instalações de contenção na usina de Zaporíjia foi atingida no ataque russo. Ou seja, houve dano estrutural. Ora, veja, essas são instalações extremamente robustas, são projetadas para suportar o impacto de um jato de médio porte, um 737, por exemplo, que era a maior aeronave que existia na época em que a maioria dessas estações foi construída.
Bem, é verdade, mas nenhuma usina foi projetada para resistir a um ataque sustentado de tanque ou de artilharia. E é por isso que existe uma convenção internacional, de Genebra, contra o ataque a usinas nucleares. E a Rússia foi signatária dessa convenção.
Então é outra lei que a Rússia está violando, outra norma internacional que eles estão rompendo. Ninguém jamais atacou uma usina nuclear antes na história. E sem precedentes é uma expressão que que estamos usando muito para descrever esta guerra na Ucrânia.
Apesar de décadas de hostilidades entre árabes e israelenses, ninguém jamais atacou o reator de pesquisa em Dimona, em Israel. Apesar de décadas de tensões em torno do Irã, ninguém jamais atacou o reator nuclear de Bushehr, no Irã. Então isso é apenas o começo dos riscos nucleares. Tem mais dois.
2) Quais são esses dois?
O segundo risco são os tanques de combustível desprotegidos. A secretário de Energia dos EUA diz “não se preocupe, os reatores foram desligados e postos em modo de segurança”. Muito legal. Mas, enquanto isso, há centenas de barras de combustível armazenadas em tanques desprotegidos ao lado dos reatores. É possível vê-los nas fotos de satélite das usinas. Essas barras de combustível precisam ser resfriadas, elas permanecem quentes por meses ou até anos. Se uma bala de artilharia atingir um desses tanques e a água de lá for drenada, essas barras de combustível superaqueceriam. E isso causaria uma explosão que lançaria material intensamente radioativo no ar por centenas de quilômetros quadrados. Você contaminaria a área imediata, mas a radioatividade também se dissiparia na atmosfera, independentemente da direção em que o vento estivesse soprando.
Por fim, há um terceiro risco. E este é realmente o que me preocupa bastante preocupado agora. Mesmo sob as melhores circunstâncias, operar uma usina nuclear é um negócio complicado, você precisa de técnicos altamente treinados e bem descansados. Segundo relatos, os russos não permitiram mudar o turno dos funcionários em Zaporíjia desde quinta (3). Então, as mesmas pessoas que estavam lá na quinta-feira estão agora operando sob a mira de uma arma. Isso afeta a eficiência de suas operações, aumenta o risco de um conflito dentro da instalação, o que pode danificar os controles, danificar a sala de controle, ou até um técnico pode cometer um erro na operação da usina. Tudo poderia levar a um desastre.
Você sabe, os operadores de Chernobyl não pretendiam causar um acidente, os operadores de Three Mile Island não pretendiam causar um acidente. Foi um erro que eles cometeram. Portanto, mesmo na melhor das circunstâncias, as usinas nucleares exigem atenção detalhada à operação. Isso não é o que está acontecendo na Ucrânia agora.