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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

O heroico no ser humano, dizia José Saramago, é ser capaz de não pertencer a nenhum rebanho. Nos dias atuais, contudo, o apelo do laureado escritor português está quase inalcançável devido à poderosa atração exercida pelas redes sociais, a “ágora” do novo milênio, cada vez mais envolvente e caprichosa em seus artifícios de sedução e idêntica alienação. A tendência humana de pertencer a grupos, temperada por seu elemento narcísico, encontrou nas interações sociais on-line um campo de enormes possibilidades, mas também de gigantescas ameaças. As implicações desse fenômeno de nossa época não se limitam, como poderíamos candidamente imaginar, apenas a uma maior troca de informações entre as pessoas. Muito mais do que isso, as grandes plataformas das mídias sociais estão redesenhando comportamentos e moldando gerações e isso obviamente está promovendo impactos profundos na sociedade em que vivemos.

Não são poucos os pesquisadores que estudam as consequências desse movimento sem precedentes no campo sociológico, econômico e político das comunicações digitais. Em, “A Era do Capitalismo de Vigilância”, a socióloga americana Shoshana Zuboff, por exemplo, explora as implicações do crescimento das grandes empresas de tecnologia e a forma como elas coletam, utilizam e lucram com os dados pessoais de usuários. O conceito investigado pela autora é que estamos diante de um novo tipo de capitalismo que se baseia na extração de dados comportamentais para prever e influenciar o comportamento humano. Isso não tem, em princípio, nada de novo, mas há muito mais riscos envolvidos nesse processo do que incautos poderiam vir a supor.

O tema ganha importância no exato momento em que o Brasil e vários outros países buscam maneiras de compreender melhor a dimensão e o poder dos grandes conglomerados como Google, Facebook e Amazon, pioneiras desse modelo econômico, que transforma a privacidade dos indivíduos em um recurso valioso para gerar lucro. Ao coletar grandes quantidades de dados sobre os usuários, essas corporações conseguem prever ações, preferências e decisões, e até mesmo manipular comportamentos de maneira invisível. E é justamente no caráter manipulativo das redes que deve se concentrar a atenção maior por parte das autoridades e de todos nós.

Tendo em vista o impacto desse fenômeno na liberdade individual, na democracia e na sociedade como um todo, a atual ausência de regulamentação das grandes plataformas é injustificável. Claramente, elas atuam numa espécie de limbo, um terreno livre de qualquer tipo de controle, com as consequências que agora começam a ficar mais claras ao grande público. Percebe-se, nessa perspectiva, um visível desequilíbrio de poder entre esses gigantes midiáticos e os cidadãos, ameaçando direitos fundamentais e a própria autonomia humana. Indiferentes aos riscos que provocam, as grandes corporações de tecnologia continuam a coletar dados pessoais e comportamentais sem consentimento adequado, não somente para melhorar os serviços, mas, principalmente para prever e influenciar comportamentos futuros.

A transformação dos usuários em produtos, através da expropriação de dados pessoais, a perda de privacidade e controle, a manipulação de comportamentos, a ameaça à autonomia individual, o excesso de poder em poucas mãos e todos os riscos associados à democracia presentes nesse fenômeno são elementos suficientes para que o capitalismo de vigilância, tão bem denunciado por Shoshana Zuboff, seja objeto de amplo, rigoroso e urgente escrutínio social e político. Proteger os direitos fundamentais dos indivíduos, hoje sujeitos ao poder avassalador e sem freios de uma dezena de grandes companhias globais de internet, impõe-se como um dos maiores desafios desse primeiro quarto de século.

(edsonbundchen@hotmail.com)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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