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Por Redação O Sul | 29 de janeiro de 2018
Cumprir pena no pior presídio do Brasil não viola, automaticamente, direitos de personalidade, pois o preso só tem direito à reparação na esfera moral, decorrente de falha de serviço, se detalhar e provar os prejuízos causados pelos fatos degradantes a que vem sendo submetido na prisão. Com este entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou o pedido de um homem que cumpre pena na Cadeia Pública de Porto Alegre – o antigo Presídio Central. As informações são da Revista Consultor Jurídico.
O autor informou que está no local desde outubro de 2009, ano em que o ‘‘Central’’ foi considerado o pior presídio do Brasil, pois chegou a abrigar quase 5 mil detentos, quando foi projetado para apenas 1,6 mil. A superpopulação e as condições sub-humanas o levaram a ser alvo de uma ação civil pública, por parte do Ministério Público; de uma medida liminar, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH); e de um processo de interdição.
O homem sustentou que configura ato ilícito o fato de ter sido preso no período posterior ao ajuizamento da ação, inclusive em face do descumprimento de medidas judiciais para minimizar a situação dos que lá cumprem pena. Afinal, segundo ele, o descaso e a inércia do Estado fulminaram sua dignidade, lhe impondo o cumprimento de pena cruel, e descumprem a lei e a ordem da CIDH.
Ele ainda relatou que a unidade é insalubre e sem condições estruturais de abrigar os apenados. A partir do momento em que o preso é colocado sob a custódia do Estado, argumentou, inicia a responsabilidade direta pela manutenção da integridade física, psíquica, da saúde, da segurança e da vida do detento.
Já o Estado respondeu que a causa de pedir deveria considerar os regimes de execução da pena, o período de recolhimento e os eventos de fuga. Nessa linha, afirmou que a culpa administrativa deve ser avaliada segundo o padrão normal de conduta que se poderia exigir do serviço público, acordando com suas possibilidades reais médias. Com isso, o caso não comporta a aplicação da responsabilidade objetiva, prevista no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição.
O governo gaúcho alegou que o pedido de reparação deve ter correspondência com a lesão e orientar-se pelo princípio da razoabilidade, previsto no artigo 944 do Código Civil. Sustentou que os alegados danos não restaram comprovados nos autos.
A juíza Gioconda Fianco Pitt, da 5ª. Vara da Fazenda Pública, do Foro Central da Capital, ponderou que a responsabilidade civil objetiva é a regra dos entes da administração pública. No caso dos autos, porém, ela disse que vale o prisma da responsabilidade subjetiva, já que os danos alegados pelo autor são atribuídos à suposta omissão do Estado em zelar pela sua integridade física. Ou seja, é preciso apurar se o serviço não funcionou ou se funcionou de forma tardia ou ineficiente.
Ela reconheceu que o Presídio Central apresenta uma série de irregularidades e deficiências, mas disse que também há falhas em outros setores fundamentais do atendimento estatal – escolas, hospitais etc. ‘‘A reparação em dinheiro não vai minorar a violação à dignidade do autor; pelo contrário, pois os recursos do Estado são escassos e de melhor proveito se empregado na melhoria do sistema carcerário do que pagar inúmeras indenizações individuais’’, concluiu, julgando a demanda improcedente.
O autor recorreu, alegando que o direito do Estado está sendo preservado às custas do direito dos apenados. Para o relator do recurso, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, o pedido de danos morais é genérico, sem indicar de que forma o autor foi atingido em seus direitos de personalidade em razão da situação crítica relatada.
‘‘Não é plausível exigir do Estado, sabidamente carente de recursos financeiros, desprovido de verbas suficientes e adequadas para atender a todas as necessidades da sociedade, que indenize de forma indiscriminada todo apenado que pleitear dano moral em razão da superlotação do sistema prisional’, escreveu, em voto seguido por unanimidade.