Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 5 de agosto de 2015
João (Vladimir Brichta) é um fotógrafo outrora renomado que vive uma crise profissional. Na primeira cena de “Real Beleza”, assiste-se aos preparativos das fotos de uma bela modelo diante de um quadro supostamente caríssimo, dados os cuidados com a pintura. O rapaz e a moça se desentendem, ele lhe dá uma bofetada e ela atira um pote de geleia, mas acerta a obra de arte. Assim é a primeira cena desse drama escrito e dirigido por Jorge Furtado (“O Mercado de Notícias”, “Meu Tio Matou um Cara”).
É um ponto de partida ousado e incômodo – mais pela bofetada, que, aparentemente, não resulta num processo por violência contra a mulher, e menos pelo quadro danificado (certamente com seguro e passível de restauração). A questão que Furtado parece querer levantar logo de princípio é: qual é a real beleza – a modelo ou a pintura? Mais a fundo: o que é o belo?
Com a carreira desgastada pelo incidente, João sai em viagem pelo interior do Rio Grande do Sul, buscando uma jovem desconhecida para lançar como modelo, e, assim, também se recolocar no mercado. O fotógrafo entrevista centenas de meninas, mas só em Maria (Vitória Strada) encontra o algo misterioso que procura. Ele não sabe descrever, dar nome à beleza que caça, apenas sabe identificar o que procura quando encontra.
À menina de 16 anos do interior e sem muitas perspectivas imediatas, a possibilidade de se mudar para São Paulo e depois Nova York (conforme lhe é prometido) parece irrecusável. Mas, antes disso, o protagonista deve dobrar a mãe e o pai da menina (Adriana Esteves e Francisco Cuoco).
Depois de estabelecer esse conflito tênue, Furtado parte para a elaboração de uma discussão sobre o que é o belo no mundo contemporâneo. Existem padrões? Se sim, quais são eles? Vale lembrar que o ideal de beleza pode ser uma construção social e histórica.
Furtado flerta com o noir, quando João se envolve com a mãe da modelo, Anita, enquanto a garota e o pai estão viajando. Quando eles voltam, descobre-se que além de um erudito, o homem está perdendo a visão. Apaixonado pelas artes, ele é capaz de descrever uma fotografia de Cartier Bresson em detalhes só de memória.
Estabelece-se uma dinâmica estranha entre o trio – com João hospedado na casa idílica deles. Anita gosta do fotógrafo, mas não é capaz de abandonar o marido. Ao mesmo tempo, Maria quer ir embora, mas o pai não autoriza. João precisa dela para relançar sua carreira. São tensões que abrem uma gama de possibilidades dentro da narrativa. Furtado parece esgarçá-las até o limite, quando resolve tudo e acaba o filme.
O cineasta gaúcho é conhecido, especialmente, por sua veia de humor e roteiros bem escritos – entre eles, o recente “Boa Sorte”, dirigido por Carolina Jabor, que ele roteirizou com o filho, Pedro Furtado, a partir de um conto seu.
Aqui, no entanto, não se materializa nem um nem o outro. A escassez do humor não é bem um problema – não é obrigatório que seus filmes sejam comédias, pelo contrário. Porém, em sua narrativa, “Real Beleza” parece tímido, é um filme mais de ideias do que de ação, mas estas custam a se materializar.
Não é difícil perceber ali o que interessa ao cineasta discutir – mas, ainda assim, o que ele tem a dizer não parece avançar. Há, no entanto, uma cena, no filme, que é “furtadiana” por excelência. Tempos depois de não ter sido escolhida no teste para modelo, uma jovem reaparece, agora com os cabelos tingidos, mas, mesmo assim, não teria muita chance.
João, no entanto, percebe que seu assistente está completamente apaixonado por ela, então, para agradar ao casal, aceita fazer novas fotos. Estão num pequeno bar, e o fotógrafo sugere que ela pose ao lado de três velhotes que ali bebem. É um momento cômico e, ao mesmo tempo, tão revelador sobre o mundo em que vivemos. E é numa cena como essa que Furtado nos lembra do grande cineasta que é. (Alysson Oliveira/Reuters)
Confira o trailer do filme:
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