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Colunistas Eternas águas

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Em 1981, não havia ainda o clamor atual pela conservação do planeta, mas os primeiros sinais de preocupação já começavam a despontar. Naquela época, o cantor Guilherme Arantes compôs a letra de uma música que faria grande sucesso, usando a poesia para externar uma ode ao mundo das águas. A melodia, bonita e comovente, nos levava a enxergar na água, não apenas a força bruta, mas a delicadeza de uma cascata suave que nasce na fonte serena do mundo e que, apesar de eventual inocência, pode abrir um profundo grotão. Essa mesma água faz cândido riacho e deságua na corrente do ribeirão. Águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão, que banham aldeias e matam a sede da população. Essas mesmas águas, na voz do poeta, caem das pedras no véu das cascatas com ronco de trovão, mas depois, dormem tranquilas no leito dos lagos e nas águas dos igarapés. Águas que o sol evapora e viram nuvens de algodão, gotas de água da chuva, alegre arco-íris sobre a plantação. Entretanto, nem mesmo um sonhador vê nas águas apenas a graça divina. Também trágicas, elas podem ser lágrimas na inundação.

Para além da poesia, na equação por vezes rude da vida, contudo, surgiu um elemento que não fazia parte da paisagem, ou, se fazia, até antes da Revolução Industrial, mantinha pacífica relação com a natureza. Isso decorria menos da índole consciente e benevolente dos homens do que dos meios que depois viriam a tornar nossa espécie a voraz predadora que se revelou. Aliás, nos dias de hoje, indissociável é a atuação humana no planeta e seus reflexos no complexo bioma que nos circunda. Embora nunca possamos desprezar um contingente ainda razoável de negacionistas climáticos, há quase que um consenso de que parte dos atuais desequilíbrios que afetam o clima na terra decorre diretamente da inépcia e do descuido humano e essa realidade está a nos assombrar.

Essa face mais sombria das águas sempre esteve presente e, domá-la, passou a ser um exercício dos mais complexos para especialistas e autoridades. Entretanto, em sentido contrário, abundaram exemplos de ocupações irregulares do solo, ausência de planejamento e disciplina necessária para investimentos cujos riscos pareciam ainda distantes no horizonte. No já longínquo ano de 1941, águas barrentas e indiferentes marcaram uma catástrofe que atingiu Porto Alegre, delimitando um marco de dor e destruição que, imaginava-se, nunca mais ocorreria. Porém, uma improvável combinação de fatores climáticos, despejou extraordinária quantidade de chuvas nas nascentes dos principais afluentes do Lago Guaíba, provocando, ao longo de suas trajetórias, uma destruição sem precedentes, ceifando a vida de centenas de pessoas, deixando para trás um rastro de destruição que mais lembra um cenário de guerra.

Neste momento, como em todas as tragédias, afloram exemplos excepcionais de solidariedade, desprendimento e compaixão. Diante de um flagelo de proporções dantescas, milhares de voluntários de todo o País, forças civis, militares, entidades de toda a ordem, pessoas simples e grandes empresários, juntam-se num esforço comovente para tornar menos dolorosa as perdas que se revelam aterradoras para milhares de gaúchos. Entretanto, os erros do passado não podem ser ignorados e o entusiasmo meritório dos voluntários deve ser convertido num programa amplo e permanente. Foco, união, coordenação e reconstrução devem ser associados à fibra do povo gaúcho que tem dado exemplos históricos de resiliência, força e fé em sua imensa capacidade de realização. A reconstrução que agora começa não deve trabalhar com as mesmas premissas que sustentaram as ações até aqui engendradas. Um novo normal que se desenha para o regime das chuvas no Rio Grande do Sul vai requerer um entendimento profundo, não somente da natureza do problema pontual vivido, mas de um projeto capaz de mobilizar e conscientizar todos os segmentos sociais em favor de uma relação mais harmoniosa para com o meio ambiente. O planeta água agradece.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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